quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

DICIONÁRIO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS OU DICIONÁRIO FRASEOLÓGICO?



ORTÍZ ALVAREZ M. L.


ABSTRACT


In this paper I propose to analyze the many viewpoints regarding types of taxonomical units raised by contemporary recognized authors and to critically review the material taken to be phraseological units in currently in print specific dictionaries to determine the taxonomical accuracy of theirs authors in considering what is phraseological in their proposals.
KEYWORDS
Idiomatic expressions, phraseology, dictionary phraseological units
Algumas frases se caracterizam pelo caráter da sua função comunicativa e por possuírem estrutura de oração sendo o significado delas metaforicamente motivado, além de conter uma moral ou manifestação integral de juízo. Para ilustrar mostraremos alguns exemplos: pedra que rola não cria musgo (português), con buenos modales se saca el cimarrón del monte (espanhol). No primeiro caso, o fato da pedra rolar para não criar musgo metaforicamente significa movimento, atividade constante para não envelhecer. A segunda expressão indica quanto é conveniente fazer uso da cortesia para conseguir um objetivo proposto. As frases do tipo dizei-me com quem andas e te direi quem és (português) dime con quien andas y te diré quien eres (espanhol); cão que late (ladra) não morde (português) perro que ladra no muerde (espanhol) são expressões breves delimitadas perfeitamente no discurso. Elas também refletem fenômenos relacionados com uma moral. Outras, como descascar o abacaxi (português) servem como termo de comparação palpável ao esforço de tentar resolver uma situação difícil ou crítica. É claro, que para um estrangeiro não seria fácil imaginar que a dificuldade de descascar uma fruta tão espinhenta e de casca grossa como o abacaxi poderia ter tal significado.
Assim, o gênio verbal do povo criou frases do cotidiano, excelências de ironia que passam, às vezes, desapercebidas pelo freqüente emprego, mas que nem por isso deixam de contribuir para tornar a língua um extenso e variado repertório de fraseologia viva, cheia de valores artísticos, um excelente acervo fraseológico popular que cada comunidade guarda como um tesouro no seu fundo lexical e que nos ajuda a encontrar os caminhos que nos levarão talvez até as raízes de cada cultura.
Para alguns, o tema da fraseologia comum poderia representar uma área que, em termos fraseológicos, é bananeira que já deu cacho. Para outros, e dentre eles a que subscreve, ainda é um terreno virgem e, eu diria, perigoso e escorregadiço. Muito já se falou sobre esse campo, mas ainda existem lacunas que precisam ser analisadas e exploradas.
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A primeira questão importante é o fato de que o objeto da fraseologia não se ajusta a nenhum dos níveis habituais de estudo de descrição lingüística. O seu tratamento se relaciona com a semântica lexical (grau ou nível de opacidade, significação metafórica), com a sintaxe (nível de irregularidade gramatical, defectividade sintática) e com a pragmática (funções pragmático-discursivas de muitas unidades fraseológicas, (Nattinger & DeCarrico, 1992)1, sem contar um aspecto essencial, prototípico que as caracteriza: a idiomaticidade que responde ao que poderíamos chamar de particularidade ou idiossincrasia lingüística e que depende das situações de contato lingüístico tendo um valor de coesão grupal para uma determinada comunidade de fala.
O termo fraseologia comum tem sido utilizado como noção genérica que integraria os ditos, modismos, frases feitas, frases proverbiais, refrões, expressões idiomáticas, locuções, idiotismos, gíria, coloquialismos, aforismos, etc., sem que seja estabelecida com claridade nenhuma diferenciação entre esses lexemas. A paremiologia (encarregada do estudo dos provérbios, refrães, adágios, sentenças) também como os atuais herdeiros da família de unidades microtextuais, os slogan e grafitos, constituem um campo farto de sugestões (Conca, 1994)2. Primeiro encontramos uma ampla terminologia difícil de delimitar, pois ao longo da nossa história alguns termos ainda funcionam como sinônimos, seja o caso de adágio, provérbio, dito, apotegma, refrão, vozes que têm como fator comum serem frases feitas. Sem dúvidas, estabelecer a diferença entre esses vocábulos não é fácil, talvez porque o próprio Dicionário da Real Academia Espanhola os expõe como sinônimos. Outros autores, seja o caso de Sbarbi, inclusive, considera que o dito popular pode ser classificado como vulgar ou não vulgar, dependendo do fato de ser refrão, adágio ou provérbio.
Todo isso nos assevera que o grau de desenvolvimento da teoria fraseológica ainda é insuficiente e talvez seja esse um dos motivos pelo qual essas unidades fraseológicas apareçam de maneira desordenada nos dicionários, servindo freqüentemente como material ilustrativo. Na lingüística Moderna as denominadas frases feitas já foram freqüentemente chamadas com os nomes locutions toutes faites (Saussure), unités phrasélogiques (Bally), locuções (Casares), idioms, stereotyped utterances (Jakobson), idiomatismes fossiles (Greimas), etc.
As unidades fraseológicas têm algo em comum: são padronizadas, convencionalizadas como resultado final da sua evolução dentro de uma determinada comunidade lingüística onde outrora foram novidades, mas que com o passar do tempo adquiriram uma estrutura sintático-semântica complexa, constituída por dois ou mais lexemas mais ou menos estáveis.
1 NATTINGER, J.R. & De CARRICO, J.S. (1992) Lexical Phrases and Language Teaching. Oxford: Oxford University Press.
2 CONCA, M. (1994) Teoria i història de la paremiologia catalana. Tesis Doctoral. Valencia: Univesitat de Valencia.
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3 CABRÉ, M. T. (1993) La terminología: teoría, metodología, aplicaciones. Barcelona: Editorial Antártica/ Empúries,. 529p.
CABRÉ, M. T., ESTOPA, R, LORENTE, M. (1996) Terminología y Fraseologia . In: Actas del V Simposio de Terminología Iberoamericana. Ciudad de México.
4 Nota: Wotjak G, 1985, não inclui dentro da fraseologia comum os provérbios, refrões, adágios e ditos por considera-los unidades complexas, fixas do ponto de vista da sua estrutura sintática oracional ou quase oracional o que as diferencia do resto das unidades lexicais pluriverbais do campo fraseológico. Nos não concordamos com a opinião do autor, pois é controversa com a definição que apresentamos sobre fraseologia
5 FILLMORE, Ch., J. & O’CONNOR, M. (1988) Regularity and Idiomacity in grammatical constructions: the case of let alone. In: Language, 64, pág. 501-538.
Voltando ao tema da fraseologia, podemos asseverar que existe, por um lado, a fraseologia ou terminologia especializada recuperada a partir dos textos especializados e incorporada nos dicionários de especialidade ou nos bancos de dados terminológicos como resultado do incremento das técnicas informáticas ou através de corpus textuais que se recolhem diretamente dos especialistas ou dos usos lingüísticos sem a intervenção de mediadores lingüísticos (tradutores, lexicógrafos ou terminógrafos, Cabré, et. al., 1996)3; e por outro, a fraseologia comum ou também chamada de fraseologia popular que seria nosso tema a tratar aqui. Embora ambas tenham aspectos comuns como o uso do mesmo sistema fonológico, morfológico e sintático, se diferenciam, sobretudo pela situação em que serão utilizadas. Neste sentido, a língua comum é utilizada para o intercâmbio de índole geral, sem orientação específica por um campo do saber. Seus usuários são os falantes de uma comunidade lingüística e a situação comunicacional é informal, ou, segundo Cabré (1993:128), não marcada.
Entendemos, pois, por fraseologia comum aquela área dedicada ao estudo das combinações de morfemas relativamente estáveis, unidades semânticas que por seus traços categoriais próprios distinguem-se das palavras e combinações livres como unidades lingüísticas sendo o significado dado pelo conjunto de seus elementos e que, portanto, permitem falar de um sistema fraseológico da língua onde se incluiriam as frases feitas, combinações fixas, colocações, gírias e expressões idiomáticas, os provérbios, refrães4.
Fillmore, K & O’Connor (1988)5 no artigo Regularity and Idiomaticity in gramatical constructions: the case of let alone além do estudo concreto da expressão let alone oferecem uma série de traços opositivos (opostos) que poderiam ser úteis para a classificação das unidades idiomáticas.
idiomaticidade de codificação e decodificação
gramaticalidade e extragramaticalidade
expressões idiomáticas substantivas ou formais
presença ou ausência de função pragmática
Desta maneira, o primeiro ponto estabelece a oposição entre as expressões idiomáticas que só o são enquanto a sua codificação. Além disso, apresentam
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6 DUCROT, O. et. alii. (1980) Les Mots du Discours. Paris: Edis. de Minuit.
dificuldades para sua compreensão por parte dos falantes não nativos. O segundo, faz referência à regularidade gramatical das construções. O terceiro, remete à fixação ou não das lexias que compõem a expressão, ou seja, geralmente as construções gramaticais apresentam um caráter formal determinado por unidades morfemáticas e pelos lugares vazios que podem ser preenchidos com ajuda de uma variedade de peças lexicais. O quarto e último ponto se referem à função pragmática o que constitui uma questão importante dentro da gestão do discurso. Referente à função discursiva é interessante fazer um estudo dos trabalhos de Ducrot (1980)6 sobre as chamadas mots du discours que tem sido analisadas desde uma perspectiva argumentativista fazendo ênfase na convencionalização (fixação estrutural dentro da língua) de determinadas estratégias pragmáticas.
Na verdade existem diversas opiniões e definições dos tipos de unidades fraseológicas, mas está confirmado que quase todos os autores analisados misturam os conceitos. Infelizmente não podemos tapar o sol com uma peneira, existem diferenças entre as unidades fraseológicas que, na prática, não são mostradas. Por essa razão, tentaremos demonstrar a seguir essas diferenças e dar uma definição aceitável para cada uma dessas unidades. Proponho, aliás, estabelecer algumas características limítrofes entre expressão idiomática e locução, provérbio, clichê, gíria e outras unidades fraseológicas.
O termo locução, na verdade, quer dizer que se trata de mais de uma palavra formando um sintagma, uma unidade lexical, que exprime um conceito, e cuja função gramatical é explícita. Pode ser conectiva estabelecendo nexos sintáticos, por exemplo, depois de, através de, se bem que, desde que, antes que. Outras podem ser equivalentes a uma só palavra, etc. Existem também as locuções interjetivas Ora bolas! Valha-me Deus!, Raios te partam! Quanto à sua extensão (mínimo de duas palavras), uma expressão idiomática (em diante EI) pode ser considerada um tipo de locução de conteúdo nocional, não sendo apenas uma seqüência de elementos autônomos, pelo contrário, trata-se de uma seqüência que tem um significado global, não fazendo sentido se considerada literalmente.
No caso da distinção entre EI e provérbio, podemos dizer que as EI não se confundem com os provérbios que têm vida própria, sendo uma unidade frástica completa: em terra de cegos quem tem um olho é rei; quanto mais se tem, mais se quer, a ocasião faz o ladrão (português); quien tiene boca va hasta Roma; mientras, mas tienes mas quieres, no hay peor ciego que aquel que no quiere ver (espanhol).
Todos esses provérbios apresentam um grau de generalidade e são introduzidos no discurso, ao passo que as EI se referem a situações precisas e são partes integrantes do próprio discurso, necessitando de um sujeito.
Além disso, os provérbios têm elementos rítmicos particulares não permitindo variações de sujeito, tempo (restringindo-se geralmente à terceira pessoa do singular do presente de indicativo) e complementos, enquanto que só os complementos são em parte
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7 CASARES, J. ( 1950) Introducción a la lexicografía moderna. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Lingüísticas.
invariáveis nas EI. Por outro lado, mais do que considerar os provérbios como resultado positivo de uma experiência longamente adquirida e de uma reflexão ponderada, seria mais correto considerá-los avisos contra o que se poderia chamar de perigo ou desvio a uma norma moralmente defensível. Por exemplo, águas passadas não movem moinhos; nem tudo o que luz é ouro; o hábito não faz o monge; toda farinha tem seu dia de feijão; o silêncio é ouro (português), conselhos para quem se fiam de aparências, quem se hesita demasiado ou quem se prende aos enredos do passado. Quanto à estrutura, estas unidades se caracterizam pelos mecanismos que utilizam semelhantes, às vezes, aos da linguagem poética (rima, assonância, equilíbrio, concisão e paranomásia), numa estrutura binária de sintagmas correlatos (caiu na rede/ é peixe).
As chamadas expressões proverbiais são expressões que provêm realmente de provérbios, mas guardam sua autonomia como locuções: matar dois coelhos com (de) uma só cajadada; não contar com o ovo dentro da galinha, etc.
No caso dos refrões, são expressões de codificação e em alguns casos também de decodificação, apresentam uma certa tendência à anomalia gramatical (arcaísmo, elipse, construções peculiares), são unidades citacionais hipercodificadas que independentemente da sua semelhança com refrões vindos de outras línguas, são reconhecidos como expressões idiossincrásicas. Do ponto de vista estrutural, são frases breves, rítmicas e delimitadas perfeitamente dentro do discurso. A sua criação remonta aos primórdios da humanidade. A sua condição de anonimato nos impossibilita conhecer quem os criou e em geral são pronunciados por uma pessoa fazendo eco de uma experiência coletiva.
Casares (1969)7 define o refrão como uma frase completa e independente que, no sentido direto e alegórico e, geralmente na forma sentenciosa e elíptica, expressa um pensamento ou juízo, onde se relacionam pelo menos duas idéias. Sem dívidas, o autor retrata de forma clara as características essenciais deste tipo de unidade fraseológica e para reforçar um tanto o critério de Casares podemos salientar que os refrães refletem situações que apesar de terem acontecido no passado tem vigor no momento atual, ou seja, são situações retomadas para explicar e dar a compreender situações do presente, fenômenos relacionados com a moral, o aspecto intelectual e material do homem sendo precisamente ele, o homem e o povo quem se encarrega de criá-los e difundi-los. Por exemplo, pau que nasce torto morre torto (português); árbol que nace torcido jamás su tronco endereza (español); de tal palo tal astilla; filho de peixe peixinho é (português). Daí, o fato de que o conteúdo dos refrães seja universal, sem que os componentes sejam considerados empréstimos apesar da similitude do modelo sintático.
Em relação às distinções entre EI e clichê, pode-se dizer que os clichês (silêncio sepulcral), são definidos como locuções construídas e transmitidas pela linguagem literária à linguagem comum, e não como expressões típicas banalizadas.
A gíria é uma língua viva, expressiva, embora alguns digam ser intolerante, outros a elogiem pela sua graça, pela tonalidade que caracteriza a sua própria
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ressonância fonética. Ela está constituída por expressões próprias de determinados grupos (estudantes, marinheiros, soldados, ladrões, etc.) de significado atribuído, mais ou menos arbitrariamente, e de utilização transitória. As EI distinguem-se também da gíria, estando essa num estágio de evolução do idioma anterior ao estágio de cristalização, isto é, as gírias representadas por sintagmas verbais (pegar leve) são passageiras que podem, em pouco tempo, deixar de serem usuais e, portanto, não se integram em definitivo à língua, ou melhor, a um estado de língua, sincronicamente falando.
Outro caso a ser diferenciado das EI seria o das combinatórias verbais em que a freqüência, o uso constante, leva à cristalização de unidades fraseológicas resultantes da construção de um verbo específico com determinado complemento, por exemplo, (travar batalha e não fazer batalha).
No caso das frases feitas (combinações fixas), os traços formais e semânticos não se explicam através das regras que regem uma combinação livre não só porque apresentam "anomalias" sintáticas e semânticas ou elementos gramaticais ou léxicos únicos, mas também, e ante tudo, porque são fixas, ou seja, a estabilidade é um traço característico formal constitutivo, daí seu nome. Elas não são produzidas no ato de fala, elas são reproduzidas. O falante as apreende e utiliza sem alterar seus elementos e sem decompô-las. Por exemplo, guiñar el ojo (espanhol) guiñar funciona só nesta combinação que se justifica por uma regra de semântica combinatória, ou seja, o lexema ojo já está implicado na definição do verbo guiñar.
Quando falamos das expressões idiomáticas observamos que o caráter especial desses sintagmas advém do pragmatismo da língua. O falante comumente faz uso de expressões com extensão de sentido. Elas formam estruturas sintagmáticas complexas e resultam numa unidade lexical que se refere a uma realidade específica com um sentido particular. Por exemplo, pisar na bola; ficar na sua; virar pizza; sair de fininho; engrossar o caldo; bater boca; pagar o pato (português); estar en misa y en procesión; estar hecho leña; bailar en casa del trompo; quedarse para vestir santos, parquear una tiñosa, aguantar esa mecha (espanhol).
O significado resultante dessas estruturas independe do significado dos lexemas isolados que a compõem. A extensão de sentido dessas unidades é metafórica ou polissêmica. Elas têm na sua composição uma motivação combinatória e metafórica que pode ser explícita ou implícita. Em alguns casos, contudo, existem expressões que podem ser também interpretadas no sentido literal, por exemplo, soltar os cachorros; pisar na bola, quebrar a cara (português); lavarse las manos; poner las cartas sobre la mesa; tirar la toalla, mas nesses casos não estaríamos diante de uma expressão idiomática, pois o sintagma não funciona como unidade lexical. O que mantém a unidade lexical é o todo significativo, são exatamente os lexemas estarem gerando um novo sentido quando se combinam o que justifica o sentido opaco destas unidades, ou seja, não há associação do significado da frase com o significado isolado de cada um dos seus elementos. Do ponto de vista pragmático, a convenção se estabelece porque a expressão é usada freqüentemente num contexto específico.
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8 SANCHEZ BENEDITO, F. (1990) Diccionario conciso de modismos. Madrid: Alambra. Logman.
9 CAMARGO, S. & STEINBERG, M. (1987) Dicionário de expressões idiomáticas metafóricas inglês/português, português/inglês. SP: Mac Graw-Hill.
10 CAMPOS, A. J. ( 1993) Diccionario de refranes. Madrid: Espasa Calpe.
Muitos pesquisadores para se referir aos fraseologismos em geral utilizam o termo modismo definindo -o como toda expressão que significa algo diferente ao que as palavras que a compõem parecem indicar (Sanchez Benedito, 1990:1)8, por exemplo, andar con rodeos (espanhol) catalogando-os também como engenhosos ditos e expressões, reflexão da alma popular que lhes dá vida. Nos Dicionários editados com o rótulo da Real Academia Espanhola o modismo aparece como sinônimo de idiomatismo. Analisando tal definição poderíamos chegar à conclusão que dentro dos modismos não poderíamos incluir os provérbios e refrões, pois as palavras que compõem esses tipos de combinações têm um sentido literal que coincide com o sentido metafórico (figurado) que adquirem. Por essa razão encontramos tantas definições que são motivo de controvérsia, pois ainda existe muita confusão na hora de estabelecer a diferença entre as unidades fraseológicas nos dicionários.
Por outro lado, e voltando ao tema que nos interessa discutir hoje, que pode impedir os dicionários (sendo uma obra de consulta) de incluírem elementos tão vivos? E as pesquisas, elas revelam com suficiente clareza as sutis camadas de cada unidade fraseológica?
Geralmente as expressões idiomáticas não aparecem nos dicionários de língua e quando incluídas é difícil localizá-las, pois não sabemos qual o critério seguro e único para distinguir um termo de uma expressão. Por outro lado, o dicionário de língua privilegia uma norma lexical, um uso do léxico dentre todas as possibilidades de uso pela comunidade lingüística. No que diz respeito a inventários específicos, sob o título de Dicionário de locuções ou Dicionário de expressões idiomáticas encontramos obras muito incompletas, são coletâneas de verbetes, isto é, de entidades lexicais de natureza heterogênea. Assim, se enquadram os dicionários de Camargo & Steinberg (1987)9, Campos (1980)10, Puglesi, dentre outros.
Se procurarmos alguns dicionários específicos de um tipo de unidade fraseológica encontraremos que até a maioria dos pesquisadores, (tanto lexicógrafos, quantos lingüistas), para encher lingüiça misturam frases feitas, locuções, ditos populares, clichês, expressões idiomáticas, refrões e provérbios. Para poder detectar esse fenômeno procuramos vários dicionários bilíngües e monolingües comprovando que em todos os casos se repete o mesmo dilema: a) incoerência na hora de definir o tipo de unidade fraseológica; b) conseqüentemente incoerência na definição do tipo de dicionário (fraseológico ou de expressões idiomáticas). Em alguns casos o autor para não se comprometer e pecar na hora de definir o tipo de fraseologismo pode optar pela variante Dicionário de Modismos, sem saber que desta forma complica mais as coisas, porque como diz um dito popular espanhol al mono aunque lo vistan de seda es mono, portanto, não adianta tapar el sol con un dedo, porque nenhuma dessas expressões é farinha do mesmo saco.
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11 ETTINGER, E. (1982) Formación de palabras y fraseologia en la lexicografía. In: HAENSCH, G. La lexicografía: de la lingüística teórica a la lexicografía práctica. Madrid: Gredos.
Para poder ilustrar nosso trabalho e intercambiar com vocês algumas idéias sobre o tema mostraremos alguns exemplos que aparecem nos dicionários pesquisados. Partindo do critério de que ninguém é profeta na sua terra, não é o nosso objetivo criticar os autores, porque entendemos que para fazer um dicionário precisa-se de coragem, tempo, dedicação absoluta, vontade, decisão e, sobretudo, receptividade à crítica dos usuários. Mas se considerarmos que o dicionário é uma obra de consulta tanto para um nativo, quanto para um estrangeiro, e especialmente para os tradutores, não podemos esquecer que dos autores depende a compreensão e escolha certa de uma ou outra expressão por parte do usuário. Muitas vezes para um estrangeiro e até para um nativo de um país onde existem os regionalismos é difícil entender o significado de uma expressão idiomática fora do contexto. Em alguns dicionários as expressões aparecem contextualizadas, mas as maiorias dos exemplos são inventadas e pouco explícitos o que impede o leitor entender o significado. Em outros casos as expressões não aparecem contextualizadas, portanto poderia não ser entendida pelo usuário.
Considerações finais
Primeiramente devemos ressaltar que tanto as expressões idiomáticas como outros tipos de fraseologismos, em geral, não se encontram repertoriados em obras de referência, particularmente nos dicionários de língua. Desse modo, a busca de seus equivalentes requer a pesquisa em várias fontes, sem que, muitas vezes, se obtenha resultados satisfatórios. Provavelmente, tal fato seja decorrente da complexidade do tratamento do tema, principalmente em relação ao seu reconhecimento. Assim, se é difícil identificá-las, não há como incluí-las em dicionários.
Por outro lado, como vocês observaram, quando existe o dicionário que trata especificamente sobre o tema da fraseologia a realidade pode ser outra; será realmente esse o dicionário que procuramos de acordo com as nossas necessidades? Poderá esclarecer esse dicionário nossas dúvidas? E os dicionários bilíngües? Será que só dando uma definição e o equivalente na outra língua seria suficiente para entender o significado da expressão, tendo em conta que cada cultura, cada povo apresenta traços e características talvez bem diferentes das nossas?
Concordamos plenamente com Ettinger (1982:258)11 quando expressa que as unidades fraseológicas deveriam figurar num dicionário bilíngüe não somente na língua de chegada, mas também na de partida, já que, de outro modo, o usuário do dicionário para o qual a língua de partida é uma língua estrangeira, forma uma idéia bastante desfigurada do uso lingüístico dessa língua. Para nós os dicionários bilíngües de expressões idiomáticas deveriam, além do significado e dos equivalentes, contextualizar as expressões através de exemplos claros que permitam não adivinhar, mas descobrir, sem maiores dificuldades, o sentido da frase.
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12 TRISTÁ, A. M. ( 1988) Fraseologia y contexto. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales.
13 NASCENTES, A. (1986) Tesouro da Fraseologia Brasileira. RJ: Editora Nova Fronteira.
A primeira batalha que temos que ganhar é, como afirma Tristá (1988:12)12, a de incluir os fraseologismos nos dicionários e também elaborar dicionários especiais de fraseologismos, questão que já nesta década de noventa começou a ter frutos. Mas, contudo, não é bom misturar alhos com bugalhos. Devemos começar por delimitar as unidades fraseológicas. Se selecionarmos um tipo de unidade para elaborar um dicionário específico, então incluiremos só esse tipo, seja provérbio, expressão idiomática, locução ou frase feita. Se, pelo contrário, queremos incluir todas, então o melhor seria denominar o dicionário de fraseológico explicando desde o início que aparecerão todos os tipos de fraseologismos. Não há dúvidas, que nem todos os dicionários que até agora pesquisamos apresentam essa dificuldade. Temos de tirar o chapéu se falarmos da obra de Antenor Nascentes (1986)13 o Tesouro da Fraseologia Brasileira ou o Dicionário de fraseologia cubana de Tristá & Carneado que realmente reúnem todos os requisitos que, a nosso ver seriam indispensáveis na hora de elaborar um dicionário deste tipo. Tomemos, pois como exemplo esses preciosos tesouros e ajudaremos, assim a trazer à luz o valioso presente que a fraseologia comum coloca em nossas mãos. Estudar as pérolas do imenso tesouro da linguagem viva de todos os dias é uma missão nossa, mas não podemos esquecer que ela será sempre uma preciosa mina para quem souber cavar nela com acerto.
RESUMO
Neste artigo eu proponho analisar os diferentes pontos de vista concernentes a tipos de unidades taxonômicas levantadas por reconhecidos autores contemporâneos e realizar uma revisão crítica do material escolhido e trazer à tona algumas considerações que possam servir para aqueles que viajam constantemente por essa floresta emaranhada que é a fraseologia popular.
PALAVRAS-CHAVE
expressões idiomáticas, fraseologia, dicionário, unidades fraseológicas.
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_____________(1982) Estructuras en el léxico. In: WOTJAK, G. Lexicographical. 47. Tübingen, Max Niemeyer Verlag, 108-124.
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Nosso trabalho consiste em analisar até que ponto as diversas opiniões acerca da classificação das unidades fraseológicas e as definições de cada uma delas que aparecem nas obras de referência tem influído, sobremaneira, na composição dos dicionários específicos dessa área que, querendo ser específicos terminam sendo bem abrangentes. Primeiro, tentaremos dar uma definição para cada tipo de unidade e, dessa maneira, estabelecer as diferenças que existem entre elas. Partindo dessa base poderemos avaliar os dicionários escolhidos para a nossa análise e trazer à tona algumas considerações que possam servir para aqueles que viajam constantemente por essa floresta emaranhada que é a fraseologia popular.
A Fraseologia, e dentro dela especificamente as expressões idiomáticas, tornou-se nos últimos tempos uma área de interesse para pesquisadores, lingüistas e lexicógrafos. No entanto, ainda existem algumas lacunas que deverão ser preenchidas. Primeiro, é preciso unificar os critérios, sobretudo na hora de delimitar os tipos de unidades fraseológicas, pois existe um número considerável de classificações. Isto permitirá, num futuro, resolver um segundo problema: a elaboração de dicionários monolingues e bilíngües que abordem especificamente este tema, mas que não misturem alhos com bugalhos como até agora temos constatado depois de consultar algumas obras de referência para o desenvolvimento do nosso projeto de tese de doutorado.

[Artigo publicado em: Revista Línguas e Letras, Cascavel, Paraná, No. 2. v. 2, pp. 83 ‐ 96. ]

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