quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Variantes das unidades fraseológicas na língua portuguesa


IOVKA BOJÍLOVA TCHOBÁNOVA*
NADEZHDA KOSTOVA**


FLUL, Portugal*


Instituto da Língua Búlgara, Bulgária**


iovka2003@yahoo.com.br, nadddja@abv.bg

1. INTRODUÇÃO
A fixidez das unidades fraseológicas (UFs) relaciona-se com a estabilidade da sua forma e o carácter constante da sua composição lexical. Isso determina a sua reprodução no discurso. Sabe-se que as UFs não se improvisam no discurso, utilizam-se como unidades já prontas.
O estudo concreto dos fraseologismos demonstra que a forma das UFs é estável mas não petrificada, fossilizada. Como as UFs estão constituídas por várias palavras, isso cria grandes possibilidades de variação. A fixidez pressupõe a variação. O grau de variação pode ser diferente e então estamos na presença de diferentes variantes de uma mesma unidade ou de diferentes sinónimos. A distinção entre variação e sinonímia na fraseologia tem grande importância teórica e prática.
Corpus – A variação das UFs foi estudada com base num Corpus de fraseologismos, recolhidos em 7 dicionários monolingues e bilingues (cf. Bibliografia), referentes às letras F – J.
2. DELIMITAÇÃO DA VARIAÇÃO DE OUTROS CONCEITOS AFINS
2.1 Delimitação da variação da mudança paradigmática
Antes de estudar os diferentes tipos de variações das UFs, é necessário distingui-la da mudança paradigmática. As mudanças paradigmáticas estão relacionadas com mudanças nos significados gramaticais de alguns dos componentes, como por exemplo o género, o número, a determinação / indeterminação, a pessoa, o tempo, o aspecto. As mudanças paradigmáticas operam-se no funcionamento das UFs no discurso: branco como a cal, branca como a cal, brancos como a cal, brancas como a cal; comer como um abade, vou comer como um abade, comi como um abade. Vê-se que este tipo de mudanças estão motivadas pela relação genética existente entre a palavra e os componentes da UF.
2.2 Variantes e empregos individuais das UFs pelos escritores
As variantes das UFs não se têm que misturar com os empregos individuais das UFs pelos diferentes autores, que representam um fenómeno da fala (e não da língua). Na teoria da fraseologia estes empregos autorais são conhecidos com o nome de actualização ou paráfrase das UFs.
2.3 Transformação ou derivação fraseológica
A transformação fraseológica é a derivação fraseológica na qual a partir de uma UF que serve de base, por meio de diferentes mudanças estruturais (verbalização, adjectivação, adverbialização, nominalização) se forma uma nova UF.
Se observarmos a UF pálido como cal e empalidecer como cal veremos que o verbo deriva do adjectivo (as duas palavras têm a mesma base). Com mais frequência de uma unidade adjectival surge uma UF verbal, mas não sempre é fácil definir de forma categórica qual é a direcção da derivação: teimoso como burro – teimar como burro.
Os processos transformacionais são qualitativamente diferentes das modificações variacionais.
3. TIPOS DE VARIANTES
À semelhança da palavra que pode ter variantes morfológicas, fonéticas e ortográficas, as UFs também apresentam diferentes variantes, as mais importantes entre as quais são: 1) variantes formais ou gramaticais; 2) variantes lexicais; 3) variantes estilísticas; 4) variantes quantitativas, etc.
3.1 Variantes gramaticais
As variantes podem distinguir-se umas das outras devido a particularidades gramaticais:
Variação no número dos substantivos (cf. atirar-se como gato a bofe/bofes (DLPC) ‘1. Atirar-se com toda a velocidade, de forma impetuosa. 2. Dirigir-se a alguém com agressividade verbal; acusar com violência’; de mão dada, de mãos dadas; haver à(s) mão(s) (P. Us.) (DLPC) ‘entrar na posse de; alcançar, apanhar’; fazer de conta(s) que SV; deitar o(s) gatázio(s) a alguém ou a alguma coisa(Pop.) (DLPC) ‘agarrar, prender uma pessoa ou coisa’; sem horizonte (s) (loc. adv.) (DLPC) ‘sem perspectiva; sem aspirações’).
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Variação na forma do artigo ou a sua substituição por um demonstrativo ou possessivo; omissão do artigo (ex.: dar-se como (o) cão e (o) gato; ir a(o) gancho (DLPC) ‘ser preso’; da gema / de gema (DLPC) ‘que é genuíno, autêntico’; fazer de / da conta (DPB) ‘fingir’; de um jacto / de jacto (loc. adv.) (DLPC) ‘de uma só vez e com rapidez’.
Variação na forma do pronome pessoal (cf. andar com ela fisgada / trazê-la fisgada) (DLP) ‘ter uma ideia fixa, ter uma ideia má’);
Variação na forma do pronome demonstrativo (cf. isso / aquilo é mais garganta que outra coisa (DI P-P); isso / aquilo é garganta; ter muita garganta (Fam.) (DLPC) ‘ser fanfarrão, gabarolas; falar sem substância ou fazer promessas sem qualquer preocupação de as cumprir’)
Presença ou ausência do pronome possessivo (cf. ganhar a vida / ganhar a sua vida (DPB) ‘ganhar suficiente; ter trabalho, ganhar dinheiro’; gastar o (seu) cuspo (EI R-P) ‘perder (gastar) o seu latim’; fazer justiça pelas próprias mãos (DLPC) / fazer justiça pelas suas próprias mãos (DPB) ‘vingar-se pessoalmente de um mal, sem recorrer à justiça legal’)
A escolha da forma reflexiva ou não reflexiva do verbo (cf. ir(-se) desta para melhor (DLPC) ‘morrer’; deitar com as galinhas (DLPC) / deitar-se com as galinhas (DLP) ‘ir para a cama muito cedo’)
Variação na forma do advérbio (cf. não é por aí / aqui que o gato vai às filhós (DLPC) ‘expressão usada para afirmar que o perigo, o problema não reside numa questão de pormenor, a que se atribui pouca importância’)
A escolha da forma reflexiva ou não reflexiva da UF (a reflexividade pode exprimir-se por meio de uma forma pronominal do verbo ou por meio do pronome possessivo)
Os elementos sinsemânticos (preposições, conjunções) também podem sofrer variações (substituição de uma conjunção ou de uma preposição por outra ou a sua omissão) (cf. saber como gaitas (Fam.) / saber que nem gaitas (Pop.) (DLPC) ‘estar gostoso, apetitoso, com bom paladar; ter bom sabor’; chorar como / que nem uma Madalena; fazer alguma coisa em cima do (sobre o) joelho (EI R-P); girar sobre / nos calcanhares (Fam.) (DLPC) ‘ir-se embora’; a / de fito (CF) ‘fixamente’; gastar a paciência a / de alguém (DLPC) ‘aborrecer muito alguém, insistindo, importunando’; a jeito (loc. adv.) (DLPC) / de jeito (DI P-A) ‘em posição ou disposição propícia’; à grande / de grande (CF) ‘com magnificência; com largueza’; a / em jorros (DLPC) ‘em grande quantidade’; de / por juro e herdade (DLPC) ‘por direito hereditário’; às / nas horas de estalar (loc. adv.) (DLPC) ‘à última hora’).
As mudanças podem relacionar-se também com a morfologia derivacional:
Modificação relacionada com a formação de palavras, por exemplo a substituição de um componente nominal pelo seu diminutivo ou aumentativo (ex.: manso como um cordeiro / cordeirinho; cair como um pato / patinho); fazer o gosto ao dedo, fazer o gosto ao dedinho; fazer beiço / beicinho (DI P-P); dar um jeito / jeitinho (DLPC) ‘arranjar maneira de resolver uma situação, de vencer um obstáculo’; na ganga / de gangão (loc. adv.) (CF) ‘de escantilhão; de corrida’).
Modificações prefixais ou sufixais dos componentes verbais.
Este tipo de variação pode definir-se como estrutural–morfológica.
As variantes sintácticas representam um tipo de variação gramatical.
A variação das UFs pode manifestar-se também na ordem dos seus elementos:
Diferenças na ordem das palavras (deslocação posicional dos elementos da UF ou variantes sintácticas da mesma UF).
Diferenças nas relações sujeito – objecto.
3.2 Variantes quantitativas
As variantes de uma mesma UF podem distinguir-se entre si pelo grau da sua plenitude. Algumas UFs apresentam variantes curtas ou compridas como resultado da redução (do corte) ou do acréscimo dalgum elemento à forma básica.
a) Esse fenómeno observa-se quando temos algum elemento com função atributiva, que adquire o carácter de elemento facultativo (cf. falar pelo cotovelos / falar pelos sete cotovelos (Fig.) (DI P-P) ‘falar muito’; a galope / a todo o galope (loc. adv.) (DLPC) ‘1. Na velocidade máxima de uma montada, de um meio de locomoção... 2. Muito rapidamente’; dar na (real) gana a alguém (DLPC) ‘agir por capricho’; ir para o (ir parar ao) jardim das tabuletas (DI P-A) ‘morrer’; (ele) há cada uma! (Pop.) (DLPC) ‘expressão que se usa para exprimir admiração’; conhecer como a palma das suas mãos, conhecer como as suas próprias mãos, conhecer como os seus próprios dedos; honra lhe seja (feita)! (DLPC) ‘exclamação com que se presta homenagem ao comportamento meritório de uma pessoa’.
A omissão de um elemento facultativo pode estar combinada com mudanças paradigmáticas, o que mostra que a variação com frequência tem um carácter combinado.
Omissão de elementos periféricos da estrutura da UF (ex.: claro como a luz (do dia); branco como a cal (da parede); trabalhar como uma besta (de carga); (estar dum) humor de cão (de fila) (DI P-P); deixar o hábito / lançar o hábito (às ervas) (DLPC) ‘abandonar a vida religiosa’; deitar (o) dinheiro pela janela (fora) (Fam.) (DLPC) ‘gastar muito dinheiro em coisas ou actividades que não justificam o preço que se paga ou que são supérfluas; à grande (e a francesa) (DI P-P) ‘luxuosamente, regaladamente, à larga’;
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A redução quantitativa de elementos periféricos permite chamar estas unidades – UFs "cortadas" e definir este tipo de variação como lexical – quantitativa.
Às vezes o corte do último elemento nominal pode conduzir à formação de um novo paradigma, ou seja, à transformação da variante numa UF independente.
3.3 Variantes lexicais
Com mais frequência as variantes dum mesmo fraseologismo distinguem-se pela sua composição lexical.
A variação lexical consiste na substituição dalgum componente da UF por algum sinónimo (ex.: bêbado como uma cuba / um tonel); morder-se de inveja / morrer de inveja / roer-se de inveja (DLPC) ‘ficar enraivecido por alguém ser aquilo que se desejaria ser ou possuir alguma coisa que se gostaria de ter’; mexer / tocar na ferida (DLP) ‘tocar no ponto fraco’; gastar cera com ruins / maus defuntos (DLPC) ‘fazer sacrifícios em proveito de quem não os merece’; perder / gastar o seu latim EI R-P) ‘gastar o (seu) cuspo’; gozar o prato / o filme (DI P-P); deitar / flectir o(s) joelho(s) (DLPC) manifestar respeito, cortesia ou humilhação, perante alguém’; fazer jogo franco / limpo (com alguém) (DI P-P)
Aqui temos que salientar especialmente a variação nas UFs verbais onde o verbo sofre substituições sinonímicas.
Estamos na presença de variantes lexicais não só quando a unidade lexical é substituída por algum sinónimo mas quando esta é substituída por algum conceito semelhante, próximo. O substituto pode ser alguma palavra da mesma série semântica (ex.: desprender a língua, desprender a voz; lamber os dedos / beiços / lábios).
3.4 Variantes estilísticas
Quando um componente da UF é substituído pelo seu sinónimo estilístico estamos na presença de fraseologismos que coincidem no seu significado, em geral, mas diferenciam-se pelo seu valor estilístico e a esfera do seu emprego (ex.: dar-lhe na cabeça fazer alguma coisa, dar-lhe na veneta (Fam.), dar-lhe na telha (Fam.), dar-lhe no miolo (Fam.); dar tratos à cabeça, dar tratos à mioleira (aos miolos); dar com o nariz na porta, dar com as ventas na porta (Fam.); moer (massacrar, ralar) (Fam.) o juízo de alguém (DLPC) ‘maçar, incomodar’; deixar / largar o hábito (DLPC) abandonar a vida religiosa.
3.5 Variantes combinadas
Os tipos de variação estudados não existem sempre em forma pura; com muita frequência aparecem combinados. Por esta razão pode falar-se de variação complexa das UFs.
3.5 Variantes ortográficas
Quando há diferenças na ortografia dalguns fraseologismos falamos de variantes ortográficas.
4. DEFINIÇÃO DO CONCEITO VARIANTES DA UF
O exposto anteriormente permite definir de forma mais concreta o conteúdo do conceito de variantes da UF. As variantes são modificações da UF, casos particulares de manifestação da forma invariante da UF. As variantes são semantica e funcionalmente equivalentes. As variantes têm uma invariante comum. No caso das variantes introduzem-se matizes adicionais, mas o significado básico continua igual ao significado da invariante, a imagem não muda, fica idêntica. O que une as variantes duma mesma UF são os elementos lexicais comuns, a mesma imagem, assim como a pertença à mesma categoria gramatical.
4.1 Variantes e sinónimos
Para distinguir a variante fraseológica e o sinónimo fraseológico adopta-se a seguinte definição:
1) Os fraseologismos que apresentam certas diferenças lexicais e gramaticais mas têm a mesma estrutura da imagem são variantes.
2) Os fraseologismos que têm um significado igual mas estão construídos com base em diferentes imagens são fraseologismos sinónimos.
As variantes são modificações de uma mesma unidade fraseológica, enquanto os sinónimos são unidades fraseológicas independentes.
BIBLIOGRAFIA
Carneado More, Zoila (1985) "Notas sobre as variantes fraseológicas". – In: Anuário L/L, 16, pp. 269-277.
Chacoto, Lucília Maria (1997) "Quem conta um conto acrescenta um ponto. Figement et variation dans les proverbes portugais". – In: Paremia, 6, Madrid, Paremia, pp. 183-188.
Dugas, André (1995) «La variation dans un corpus oral de phrases figées du français du Québec». – In: Actes du colloque Données orales et théorie linguistique, Université de Gand.
García-Page Sánchez, Mario (1996) "Sobre las variantes fraseológicas en español". – In: Revista canadiense de estudios hispánicos, XX, 3, pp. 477-490.
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Granja, Maria Álvarez de la (1999) "Variation e sinonímia nas unidades fraseológicas. Caracterización xeral e propostas de tratamento lexicográfico". – In: Cadernos de língua, № 19, pp. 43-63.
Hundt, Christine (1993) "Expressões Idiomáticas Estáveis e Variaáveis". – In: Actas do IV Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, Universidade de Hamburgo, 6 a 11 de Setembro de 1993, Lisboa-Porto-Coimbro, Lidel, pp. 157-166.
DICIONÁRIOS
Dicionários gerais da língua portuguesa
DLPC – Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), dir. por João Malaca Casteleiro, Editorial Verbo, 2001, 2 volumes.
DPB – Dicionário do Português Básico, autor e coordenador Mário Vilela, Porto, Editorial ASA, 1991.
DLP – Dicionário da Língua Portuguesa, Porto, Porto Editora, CD-Rom, 1998.
GDLP – Grande Dicionário da Língua Portuguesa, org. por Cândido Figueiredo, Venda Nova, Bertrand Editora, 1996.
Dicionários fraseológicos bilingues e monolingues
EI R-P – Equivalentes Idiomáticos (Dicionário russo-português), org. por Alexandre Zditovetsky, Moscovo, Escola Superior, 1987.
DI P-P – Dicionário Idiomático Português-Polaco, org. por Jacek Plecinski, Poznan, 1998.
DI P-A – Dicionário Idiomático Português-Alemão. As expressões idiomáticas portuguesas, o seu uso no Brasil e os seus equivalentes alemães, org. por Hans Schemann e Luíza Schemann-Dias, (s/d), Livraria Cruz e Max Hueber Verlag.
NDEI – Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, org. por António Nogueira Santos, Lisboa, João Sá da Costa, 2000.



DICIONÁRIO DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS OU DICIONÁRIO FRASEOLÓGICO?



ORTÍZ ALVAREZ M. L.


ABSTRACT


In this paper I propose to analyze the many viewpoints regarding types of taxonomical units raised by contemporary recognized authors and to critically review the material taken to be phraseological units in currently in print specific dictionaries to determine the taxonomical accuracy of theirs authors in considering what is phraseological in their proposals.
KEYWORDS
Idiomatic expressions, phraseology, dictionary phraseological units
Algumas frases se caracterizam pelo caráter da sua função comunicativa e por possuírem estrutura de oração sendo o significado delas metaforicamente motivado, além de conter uma moral ou manifestação integral de juízo. Para ilustrar mostraremos alguns exemplos: pedra que rola não cria musgo (português), con buenos modales se saca el cimarrón del monte (espanhol). No primeiro caso, o fato da pedra rolar para não criar musgo metaforicamente significa movimento, atividade constante para não envelhecer. A segunda expressão indica quanto é conveniente fazer uso da cortesia para conseguir um objetivo proposto. As frases do tipo dizei-me com quem andas e te direi quem és (português) dime con quien andas y te diré quien eres (espanhol); cão que late (ladra) não morde (português) perro que ladra no muerde (espanhol) são expressões breves delimitadas perfeitamente no discurso. Elas também refletem fenômenos relacionados com uma moral. Outras, como descascar o abacaxi (português) servem como termo de comparação palpável ao esforço de tentar resolver uma situação difícil ou crítica. É claro, que para um estrangeiro não seria fácil imaginar que a dificuldade de descascar uma fruta tão espinhenta e de casca grossa como o abacaxi poderia ter tal significado.
Assim, o gênio verbal do povo criou frases do cotidiano, excelências de ironia que passam, às vezes, desapercebidas pelo freqüente emprego, mas que nem por isso deixam de contribuir para tornar a língua um extenso e variado repertório de fraseologia viva, cheia de valores artísticos, um excelente acervo fraseológico popular que cada comunidade guarda como um tesouro no seu fundo lexical e que nos ajuda a encontrar os caminhos que nos levarão talvez até as raízes de cada cultura.
Para alguns, o tema da fraseologia comum poderia representar uma área que, em termos fraseológicos, é bananeira que já deu cacho. Para outros, e dentre eles a que subscreve, ainda é um terreno virgem e, eu diria, perigoso e escorregadiço. Muito já se falou sobre esse campo, mas ainda existem lacunas que precisam ser analisadas e exploradas.
1
A primeira questão importante é o fato de que o objeto da fraseologia não se ajusta a nenhum dos níveis habituais de estudo de descrição lingüística. O seu tratamento se relaciona com a semântica lexical (grau ou nível de opacidade, significação metafórica), com a sintaxe (nível de irregularidade gramatical, defectividade sintática) e com a pragmática (funções pragmático-discursivas de muitas unidades fraseológicas, (Nattinger & DeCarrico, 1992)1, sem contar um aspecto essencial, prototípico que as caracteriza: a idiomaticidade que responde ao que poderíamos chamar de particularidade ou idiossincrasia lingüística e que depende das situações de contato lingüístico tendo um valor de coesão grupal para uma determinada comunidade de fala.
O termo fraseologia comum tem sido utilizado como noção genérica que integraria os ditos, modismos, frases feitas, frases proverbiais, refrões, expressões idiomáticas, locuções, idiotismos, gíria, coloquialismos, aforismos, etc., sem que seja estabelecida com claridade nenhuma diferenciação entre esses lexemas. A paremiologia (encarregada do estudo dos provérbios, refrães, adágios, sentenças) também como os atuais herdeiros da família de unidades microtextuais, os slogan e grafitos, constituem um campo farto de sugestões (Conca, 1994)2. Primeiro encontramos uma ampla terminologia difícil de delimitar, pois ao longo da nossa história alguns termos ainda funcionam como sinônimos, seja o caso de adágio, provérbio, dito, apotegma, refrão, vozes que têm como fator comum serem frases feitas. Sem dúvidas, estabelecer a diferença entre esses vocábulos não é fácil, talvez porque o próprio Dicionário da Real Academia Espanhola os expõe como sinônimos. Outros autores, seja o caso de Sbarbi, inclusive, considera que o dito popular pode ser classificado como vulgar ou não vulgar, dependendo do fato de ser refrão, adágio ou provérbio.
Todo isso nos assevera que o grau de desenvolvimento da teoria fraseológica ainda é insuficiente e talvez seja esse um dos motivos pelo qual essas unidades fraseológicas apareçam de maneira desordenada nos dicionários, servindo freqüentemente como material ilustrativo. Na lingüística Moderna as denominadas frases feitas já foram freqüentemente chamadas com os nomes locutions toutes faites (Saussure), unités phrasélogiques (Bally), locuções (Casares), idioms, stereotyped utterances (Jakobson), idiomatismes fossiles (Greimas), etc.
As unidades fraseológicas têm algo em comum: são padronizadas, convencionalizadas como resultado final da sua evolução dentro de uma determinada comunidade lingüística onde outrora foram novidades, mas que com o passar do tempo adquiriram uma estrutura sintático-semântica complexa, constituída por dois ou mais lexemas mais ou menos estáveis.
1 NATTINGER, J.R. & De CARRICO, J.S. (1992) Lexical Phrases and Language Teaching. Oxford: Oxford University Press.
2 CONCA, M. (1994) Teoria i història de la paremiologia catalana. Tesis Doctoral. Valencia: Univesitat de Valencia.
2
3 CABRÉ, M. T. (1993) La terminología: teoría, metodología, aplicaciones. Barcelona: Editorial Antártica/ Empúries,. 529p.
CABRÉ, M. T., ESTOPA, R, LORENTE, M. (1996) Terminología y Fraseologia . In: Actas del V Simposio de Terminología Iberoamericana. Ciudad de México.
4 Nota: Wotjak G, 1985, não inclui dentro da fraseologia comum os provérbios, refrões, adágios e ditos por considera-los unidades complexas, fixas do ponto de vista da sua estrutura sintática oracional ou quase oracional o que as diferencia do resto das unidades lexicais pluriverbais do campo fraseológico. Nos não concordamos com a opinião do autor, pois é controversa com a definição que apresentamos sobre fraseologia
5 FILLMORE, Ch., J. & O’CONNOR, M. (1988) Regularity and Idiomacity in grammatical constructions: the case of let alone. In: Language, 64, pág. 501-538.
Voltando ao tema da fraseologia, podemos asseverar que existe, por um lado, a fraseologia ou terminologia especializada recuperada a partir dos textos especializados e incorporada nos dicionários de especialidade ou nos bancos de dados terminológicos como resultado do incremento das técnicas informáticas ou através de corpus textuais que se recolhem diretamente dos especialistas ou dos usos lingüísticos sem a intervenção de mediadores lingüísticos (tradutores, lexicógrafos ou terminógrafos, Cabré, et. al., 1996)3; e por outro, a fraseologia comum ou também chamada de fraseologia popular que seria nosso tema a tratar aqui. Embora ambas tenham aspectos comuns como o uso do mesmo sistema fonológico, morfológico e sintático, se diferenciam, sobretudo pela situação em que serão utilizadas. Neste sentido, a língua comum é utilizada para o intercâmbio de índole geral, sem orientação específica por um campo do saber. Seus usuários são os falantes de uma comunidade lingüística e a situação comunicacional é informal, ou, segundo Cabré (1993:128), não marcada.
Entendemos, pois, por fraseologia comum aquela área dedicada ao estudo das combinações de morfemas relativamente estáveis, unidades semânticas que por seus traços categoriais próprios distinguem-se das palavras e combinações livres como unidades lingüísticas sendo o significado dado pelo conjunto de seus elementos e que, portanto, permitem falar de um sistema fraseológico da língua onde se incluiriam as frases feitas, combinações fixas, colocações, gírias e expressões idiomáticas, os provérbios, refrães4.
Fillmore, K & O’Connor (1988)5 no artigo Regularity and Idiomaticity in gramatical constructions: the case of let alone além do estudo concreto da expressão let alone oferecem uma série de traços opositivos (opostos) que poderiam ser úteis para a classificação das unidades idiomáticas.
idiomaticidade de codificação e decodificação
gramaticalidade e extragramaticalidade
expressões idiomáticas substantivas ou formais
presença ou ausência de função pragmática
Desta maneira, o primeiro ponto estabelece a oposição entre as expressões idiomáticas que só o são enquanto a sua codificação. Além disso, apresentam
3
6 DUCROT, O. et. alii. (1980) Les Mots du Discours. Paris: Edis. de Minuit.
dificuldades para sua compreensão por parte dos falantes não nativos. O segundo, faz referência à regularidade gramatical das construções. O terceiro, remete à fixação ou não das lexias que compõem a expressão, ou seja, geralmente as construções gramaticais apresentam um caráter formal determinado por unidades morfemáticas e pelos lugares vazios que podem ser preenchidos com ajuda de uma variedade de peças lexicais. O quarto e último ponto se referem à função pragmática o que constitui uma questão importante dentro da gestão do discurso. Referente à função discursiva é interessante fazer um estudo dos trabalhos de Ducrot (1980)6 sobre as chamadas mots du discours que tem sido analisadas desde uma perspectiva argumentativista fazendo ênfase na convencionalização (fixação estrutural dentro da língua) de determinadas estratégias pragmáticas.
Na verdade existem diversas opiniões e definições dos tipos de unidades fraseológicas, mas está confirmado que quase todos os autores analisados misturam os conceitos. Infelizmente não podemos tapar o sol com uma peneira, existem diferenças entre as unidades fraseológicas que, na prática, não são mostradas. Por essa razão, tentaremos demonstrar a seguir essas diferenças e dar uma definição aceitável para cada uma dessas unidades. Proponho, aliás, estabelecer algumas características limítrofes entre expressão idiomática e locução, provérbio, clichê, gíria e outras unidades fraseológicas.
O termo locução, na verdade, quer dizer que se trata de mais de uma palavra formando um sintagma, uma unidade lexical, que exprime um conceito, e cuja função gramatical é explícita. Pode ser conectiva estabelecendo nexos sintáticos, por exemplo, depois de, através de, se bem que, desde que, antes que. Outras podem ser equivalentes a uma só palavra, etc. Existem também as locuções interjetivas Ora bolas! Valha-me Deus!, Raios te partam! Quanto à sua extensão (mínimo de duas palavras), uma expressão idiomática (em diante EI) pode ser considerada um tipo de locução de conteúdo nocional, não sendo apenas uma seqüência de elementos autônomos, pelo contrário, trata-se de uma seqüência que tem um significado global, não fazendo sentido se considerada literalmente.
No caso da distinção entre EI e provérbio, podemos dizer que as EI não se confundem com os provérbios que têm vida própria, sendo uma unidade frástica completa: em terra de cegos quem tem um olho é rei; quanto mais se tem, mais se quer, a ocasião faz o ladrão (português); quien tiene boca va hasta Roma; mientras, mas tienes mas quieres, no hay peor ciego que aquel que no quiere ver (espanhol).
Todos esses provérbios apresentam um grau de generalidade e são introduzidos no discurso, ao passo que as EI se referem a situações precisas e são partes integrantes do próprio discurso, necessitando de um sujeito.
Além disso, os provérbios têm elementos rítmicos particulares não permitindo variações de sujeito, tempo (restringindo-se geralmente à terceira pessoa do singular do presente de indicativo) e complementos, enquanto que só os complementos são em parte
4
7 CASARES, J. ( 1950) Introducción a la lexicografía moderna. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Lingüísticas.
invariáveis nas EI. Por outro lado, mais do que considerar os provérbios como resultado positivo de uma experiência longamente adquirida e de uma reflexão ponderada, seria mais correto considerá-los avisos contra o que se poderia chamar de perigo ou desvio a uma norma moralmente defensível. Por exemplo, águas passadas não movem moinhos; nem tudo o que luz é ouro; o hábito não faz o monge; toda farinha tem seu dia de feijão; o silêncio é ouro (português), conselhos para quem se fiam de aparências, quem se hesita demasiado ou quem se prende aos enredos do passado. Quanto à estrutura, estas unidades se caracterizam pelos mecanismos que utilizam semelhantes, às vezes, aos da linguagem poética (rima, assonância, equilíbrio, concisão e paranomásia), numa estrutura binária de sintagmas correlatos (caiu na rede/ é peixe).
As chamadas expressões proverbiais são expressões que provêm realmente de provérbios, mas guardam sua autonomia como locuções: matar dois coelhos com (de) uma só cajadada; não contar com o ovo dentro da galinha, etc.
No caso dos refrões, são expressões de codificação e em alguns casos também de decodificação, apresentam uma certa tendência à anomalia gramatical (arcaísmo, elipse, construções peculiares), são unidades citacionais hipercodificadas que independentemente da sua semelhança com refrões vindos de outras línguas, são reconhecidos como expressões idiossincrásicas. Do ponto de vista estrutural, são frases breves, rítmicas e delimitadas perfeitamente dentro do discurso. A sua criação remonta aos primórdios da humanidade. A sua condição de anonimato nos impossibilita conhecer quem os criou e em geral são pronunciados por uma pessoa fazendo eco de uma experiência coletiva.
Casares (1969)7 define o refrão como uma frase completa e independente que, no sentido direto e alegórico e, geralmente na forma sentenciosa e elíptica, expressa um pensamento ou juízo, onde se relacionam pelo menos duas idéias. Sem dívidas, o autor retrata de forma clara as características essenciais deste tipo de unidade fraseológica e para reforçar um tanto o critério de Casares podemos salientar que os refrães refletem situações que apesar de terem acontecido no passado tem vigor no momento atual, ou seja, são situações retomadas para explicar e dar a compreender situações do presente, fenômenos relacionados com a moral, o aspecto intelectual e material do homem sendo precisamente ele, o homem e o povo quem se encarrega de criá-los e difundi-los. Por exemplo, pau que nasce torto morre torto (português); árbol que nace torcido jamás su tronco endereza (español); de tal palo tal astilla; filho de peixe peixinho é (português). Daí, o fato de que o conteúdo dos refrães seja universal, sem que os componentes sejam considerados empréstimos apesar da similitude do modelo sintático.
Em relação às distinções entre EI e clichê, pode-se dizer que os clichês (silêncio sepulcral), são definidos como locuções construídas e transmitidas pela linguagem literária à linguagem comum, e não como expressões típicas banalizadas.
A gíria é uma língua viva, expressiva, embora alguns digam ser intolerante, outros a elogiem pela sua graça, pela tonalidade que caracteriza a sua própria
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ressonância fonética. Ela está constituída por expressões próprias de determinados grupos (estudantes, marinheiros, soldados, ladrões, etc.) de significado atribuído, mais ou menos arbitrariamente, e de utilização transitória. As EI distinguem-se também da gíria, estando essa num estágio de evolução do idioma anterior ao estágio de cristalização, isto é, as gírias representadas por sintagmas verbais (pegar leve) são passageiras que podem, em pouco tempo, deixar de serem usuais e, portanto, não se integram em definitivo à língua, ou melhor, a um estado de língua, sincronicamente falando.
Outro caso a ser diferenciado das EI seria o das combinatórias verbais em que a freqüência, o uso constante, leva à cristalização de unidades fraseológicas resultantes da construção de um verbo específico com determinado complemento, por exemplo, (travar batalha e não fazer batalha).
No caso das frases feitas (combinações fixas), os traços formais e semânticos não se explicam através das regras que regem uma combinação livre não só porque apresentam "anomalias" sintáticas e semânticas ou elementos gramaticais ou léxicos únicos, mas também, e ante tudo, porque são fixas, ou seja, a estabilidade é um traço característico formal constitutivo, daí seu nome. Elas não são produzidas no ato de fala, elas são reproduzidas. O falante as apreende e utiliza sem alterar seus elementos e sem decompô-las. Por exemplo, guiñar el ojo (espanhol) guiñar funciona só nesta combinação que se justifica por uma regra de semântica combinatória, ou seja, o lexema ojo já está implicado na definição do verbo guiñar.
Quando falamos das expressões idiomáticas observamos que o caráter especial desses sintagmas advém do pragmatismo da língua. O falante comumente faz uso de expressões com extensão de sentido. Elas formam estruturas sintagmáticas complexas e resultam numa unidade lexical que se refere a uma realidade específica com um sentido particular. Por exemplo, pisar na bola; ficar na sua; virar pizza; sair de fininho; engrossar o caldo; bater boca; pagar o pato (português); estar en misa y en procesión; estar hecho leña; bailar en casa del trompo; quedarse para vestir santos, parquear una tiñosa, aguantar esa mecha (espanhol).
O significado resultante dessas estruturas independe do significado dos lexemas isolados que a compõem. A extensão de sentido dessas unidades é metafórica ou polissêmica. Elas têm na sua composição uma motivação combinatória e metafórica que pode ser explícita ou implícita. Em alguns casos, contudo, existem expressões que podem ser também interpretadas no sentido literal, por exemplo, soltar os cachorros; pisar na bola, quebrar a cara (português); lavarse las manos; poner las cartas sobre la mesa; tirar la toalla, mas nesses casos não estaríamos diante de uma expressão idiomática, pois o sintagma não funciona como unidade lexical. O que mantém a unidade lexical é o todo significativo, são exatamente os lexemas estarem gerando um novo sentido quando se combinam o que justifica o sentido opaco destas unidades, ou seja, não há associação do significado da frase com o significado isolado de cada um dos seus elementos. Do ponto de vista pragmático, a convenção se estabelece porque a expressão é usada freqüentemente num contexto específico.
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8 SANCHEZ BENEDITO, F. (1990) Diccionario conciso de modismos. Madrid: Alambra. Logman.
9 CAMARGO, S. & STEINBERG, M. (1987) Dicionário de expressões idiomáticas metafóricas inglês/português, português/inglês. SP: Mac Graw-Hill.
10 CAMPOS, A. J. ( 1993) Diccionario de refranes. Madrid: Espasa Calpe.
Muitos pesquisadores para se referir aos fraseologismos em geral utilizam o termo modismo definindo -o como toda expressão que significa algo diferente ao que as palavras que a compõem parecem indicar (Sanchez Benedito, 1990:1)8, por exemplo, andar con rodeos (espanhol) catalogando-os também como engenhosos ditos e expressões, reflexão da alma popular que lhes dá vida. Nos Dicionários editados com o rótulo da Real Academia Espanhola o modismo aparece como sinônimo de idiomatismo. Analisando tal definição poderíamos chegar à conclusão que dentro dos modismos não poderíamos incluir os provérbios e refrões, pois as palavras que compõem esses tipos de combinações têm um sentido literal que coincide com o sentido metafórico (figurado) que adquirem. Por essa razão encontramos tantas definições que são motivo de controvérsia, pois ainda existe muita confusão na hora de estabelecer a diferença entre as unidades fraseológicas nos dicionários.
Por outro lado, e voltando ao tema que nos interessa discutir hoje, que pode impedir os dicionários (sendo uma obra de consulta) de incluírem elementos tão vivos? E as pesquisas, elas revelam com suficiente clareza as sutis camadas de cada unidade fraseológica?
Geralmente as expressões idiomáticas não aparecem nos dicionários de língua e quando incluídas é difícil localizá-las, pois não sabemos qual o critério seguro e único para distinguir um termo de uma expressão. Por outro lado, o dicionário de língua privilegia uma norma lexical, um uso do léxico dentre todas as possibilidades de uso pela comunidade lingüística. No que diz respeito a inventários específicos, sob o título de Dicionário de locuções ou Dicionário de expressões idiomáticas encontramos obras muito incompletas, são coletâneas de verbetes, isto é, de entidades lexicais de natureza heterogênea. Assim, se enquadram os dicionários de Camargo & Steinberg (1987)9, Campos (1980)10, Puglesi, dentre outros.
Se procurarmos alguns dicionários específicos de um tipo de unidade fraseológica encontraremos que até a maioria dos pesquisadores, (tanto lexicógrafos, quantos lingüistas), para encher lingüiça misturam frases feitas, locuções, ditos populares, clichês, expressões idiomáticas, refrões e provérbios. Para poder detectar esse fenômeno procuramos vários dicionários bilíngües e monolingües comprovando que em todos os casos se repete o mesmo dilema: a) incoerência na hora de definir o tipo de unidade fraseológica; b) conseqüentemente incoerência na definição do tipo de dicionário (fraseológico ou de expressões idiomáticas). Em alguns casos o autor para não se comprometer e pecar na hora de definir o tipo de fraseologismo pode optar pela variante Dicionário de Modismos, sem saber que desta forma complica mais as coisas, porque como diz um dito popular espanhol al mono aunque lo vistan de seda es mono, portanto, não adianta tapar el sol con un dedo, porque nenhuma dessas expressões é farinha do mesmo saco.
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11 ETTINGER, E. (1982) Formación de palabras y fraseologia en la lexicografía. In: HAENSCH, G. La lexicografía: de la lingüística teórica a la lexicografía práctica. Madrid: Gredos.
Para poder ilustrar nosso trabalho e intercambiar com vocês algumas idéias sobre o tema mostraremos alguns exemplos que aparecem nos dicionários pesquisados. Partindo do critério de que ninguém é profeta na sua terra, não é o nosso objetivo criticar os autores, porque entendemos que para fazer um dicionário precisa-se de coragem, tempo, dedicação absoluta, vontade, decisão e, sobretudo, receptividade à crítica dos usuários. Mas se considerarmos que o dicionário é uma obra de consulta tanto para um nativo, quanto para um estrangeiro, e especialmente para os tradutores, não podemos esquecer que dos autores depende a compreensão e escolha certa de uma ou outra expressão por parte do usuário. Muitas vezes para um estrangeiro e até para um nativo de um país onde existem os regionalismos é difícil entender o significado de uma expressão idiomática fora do contexto. Em alguns dicionários as expressões aparecem contextualizadas, mas as maiorias dos exemplos são inventadas e pouco explícitos o que impede o leitor entender o significado. Em outros casos as expressões não aparecem contextualizadas, portanto poderia não ser entendida pelo usuário.
Considerações finais
Primeiramente devemos ressaltar que tanto as expressões idiomáticas como outros tipos de fraseologismos, em geral, não se encontram repertoriados em obras de referência, particularmente nos dicionários de língua. Desse modo, a busca de seus equivalentes requer a pesquisa em várias fontes, sem que, muitas vezes, se obtenha resultados satisfatórios. Provavelmente, tal fato seja decorrente da complexidade do tratamento do tema, principalmente em relação ao seu reconhecimento. Assim, se é difícil identificá-las, não há como incluí-las em dicionários.
Por outro lado, como vocês observaram, quando existe o dicionário que trata especificamente sobre o tema da fraseologia a realidade pode ser outra; será realmente esse o dicionário que procuramos de acordo com as nossas necessidades? Poderá esclarecer esse dicionário nossas dúvidas? E os dicionários bilíngües? Será que só dando uma definição e o equivalente na outra língua seria suficiente para entender o significado da expressão, tendo em conta que cada cultura, cada povo apresenta traços e características talvez bem diferentes das nossas?
Concordamos plenamente com Ettinger (1982:258)11 quando expressa que as unidades fraseológicas deveriam figurar num dicionário bilíngüe não somente na língua de chegada, mas também na de partida, já que, de outro modo, o usuário do dicionário para o qual a língua de partida é uma língua estrangeira, forma uma idéia bastante desfigurada do uso lingüístico dessa língua. Para nós os dicionários bilíngües de expressões idiomáticas deveriam, além do significado e dos equivalentes, contextualizar as expressões através de exemplos claros que permitam não adivinhar, mas descobrir, sem maiores dificuldades, o sentido da frase.
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12 TRISTÁ, A. M. ( 1988) Fraseologia y contexto. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales.
13 NASCENTES, A. (1986) Tesouro da Fraseologia Brasileira. RJ: Editora Nova Fronteira.
A primeira batalha que temos que ganhar é, como afirma Tristá (1988:12)12, a de incluir os fraseologismos nos dicionários e também elaborar dicionários especiais de fraseologismos, questão que já nesta década de noventa começou a ter frutos. Mas, contudo, não é bom misturar alhos com bugalhos. Devemos começar por delimitar as unidades fraseológicas. Se selecionarmos um tipo de unidade para elaborar um dicionário específico, então incluiremos só esse tipo, seja provérbio, expressão idiomática, locução ou frase feita. Se, pelo contrário, queremos incluir todas, então o melhor seria denominar o dicionário de fraseológico explicando desde o início que aparecerão todos os tipos de fraseologismos. Não há dúvidas, que nem todos os dicionários que até agora pesquisamos apresentam essa dificuldade. Temos de tirar o chapéu se falarmos da obra de Antenor Nascentes (1986)13 o Tesouro da Fraseologia Brasileira ou o Dicionário de fraseologia cubana de Tristá & Carneado que realmente reúnem todos os requisitos que, a nosso ver seriam indispensáveis na hora de elaborar um dicionário deste tipo. Tomemos, pois como exemplo esses preciosos tesouros e ajudaremos, assim a trazer à luz o valioso presente que a fraseologia comum coloca em nossas mãos. Estudar as pérolas do imenso tesouro da linguagem viva de todos os dias é uma missão nossa, mas não podemos esquecer que ela será sempre uma preciosa mina para quem souber cavar nela com acerto.
RESUMO
Neste artigo eu proponho analisar os diferentes pontos de vista concernentes a tipos de unidades taxonômicas levantadas por reconhecidos autores contemporâneos e realizar uma revisão crítica do material escolhido e trazer à tona algumas considerações que possam servir para aqueles que viajam constantemente por essa floresta emaranhada que é a fraseologia popular.
PALAVRAS-CHAVE
expressões idiomáticas, fraseologia, dicionário, unidades fraseológicas.
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_____________(1982) Estructuras en el léxico. In: WOTJAK, G. Lexicographical. 47. Tübingen, Max Niemeyer Verlag, 108-124.
11
Nosso trabalho consiste em analisar até que ponto as diversas opiniões acerca da classificação das unidades fraseológicas e as definições de cada uma delas que aparecem nas obras de referência tem influído, sobremaneira, na composição dos dicionários específicos dessa área que, querendo ser específicos terminam sendo bem abrangentes. Primeiro, tentaremos dar uma definição para cada tipo de unidade e, dessa maneira, estabelecer as diferenças que existem entre elas. Partindo dessa base poderemos avaliar os dicionários escolhidos para a nossa análise e trazer à tona algumas considerações que possam servir para aqueles que viajam constantemente por essa floresta emaranhada que é a fraseologia popular.
A Fraseologia, e dentro dela especificamente as expressões idiomáticas, tornou-se nos últimos tempos uma área de interesse para pesquisadores, lingüistas e lexicógrafos. No entanto, ainda existem algumas lacunas que deverão ser preenchidas. Primeiro, é preciso unificar os critérios, sobretudo na hora de delimitar os tipos de unidades fraseológicas, pois existe um número considerável de classificações. Isto permitirá, num futuro, resolver um segundo problema: a elaboração de dicionários monolingues e bilíngües que abordem especificamente este tema, mas que não misturem alhos com bugalhos como até agora temos constatado depois de consultar algumas obras de referência para o desenvolvimento do nosso projeto de tese de doutorado.

[Artigo publicado em: Revista Línguas e Letras, Cascavel, Paraná, No. 2. v. 2, pp. 83 ‐ 96. ]

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FRASEOLOGIA,SUA CONCEITUAÇÃO E APLICABILIDADENA IDADE MÉDIA



Álvaro Alfredo Bragança Júnior (UFRJ)


I. INTRODUÇÃO
As fórmulas colectivas e tradicionais reflectem maravilhosamente a mentalidade de um povo, sua história, seus costumes , crenças, estados afectivos, tendências gerais, aos olhos de quem saiba vê-las e utilizá-las como instrumentos de indagações superiores.
(AMARAL, A. 1948:242)

Uma das formas de conhecimento da história do pensamento social no correr dos séculos está presente em um vasto número de expressões, muitas vezes caracterizadas como populares, as quais seriam portadoras das vivências de uma ou mais gerações e que funcionariam como instrumentos de conduta aptos para serem aplicados no cotidiano.A questão da classificação das expressões fraseológicas em populares ou eruditas coloca-nos diante de algumas questões: quais os limites da ciência fraseológica e até que ponto, em sua origem, os chamados ditos populares emanaram da tradição popular de uma coletividade?Denomina-se fraseologia a ciência que estuda o conjunto de frases ou locuções de uma língua, em primeiro plano, ou de um autor isolado, num segundo momento. No segundo caso, muitas vezes, o estudo fraseológico adentra o campo da estilística. Distingue-se da fraseografia por esta ser um “ramo da Lexicografia e da Fraseologia 2), que se ocupa da apreensão lexicográfica e caracterização da fraseologia 1) de uma ou mais de uma língua...”
[1][1].Essas “frases ou locuções de uma língua” recebem uma classificação tipológica que normalmente não consegue delimitar suas características formais e conteudísticas básicas, pelo contrário, muitas vezes associando-as praticamente como sinônimas. Os maiores dicionaristas da língua portuguesa não conseguem estabelecer limites rígidos no tocante à definição dos chamados ditos populares, como podemos depreender a partir da recolha desses termos feita por SIMON (1989:18-25). À guisa de exemplificação, confrontemos aqui o Novo dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda com o Dicionário etimológico da língua portuguesa, de José Pedro Machado e com o Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa, de Silveira Bueno:
I. Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa

- adágio1 [Do lat. adagiu] S.m. V. provérbio ...;- aforismo [Do grego aphorismós, pelo lat. aphorismu.] s.m. sentença moral breve e conceituosa; máxima ...;- anexim (x=ch). [Do ar. an-naxid.] s.m. 1. v. provérbio... 2. Dito sentencioso.;- apotegma. [Do grego apophtegma.] s.m. 1. Dito curto e sentencioso, aforismo, máxima...;- axioma (cs ou ss). [Do gr. axioma, pelo latim axioma.] s.m. 1. Filos. Premissa imediatamente evidente que se admite como universalmente verdadeira sem exigência de demonstração. 2. P. ext. Máxima, sentença ...;- brocardo. [Do lat. medieval brocardu] s.m. 1. Axioma jurídico. 2. Axioma, aforismo, máxima, sentença, provérbio...;- chufa1. [Voc. onom., calcado no lat. vulg. sufilare, sibilare, ‘assobiar’.] s.f. Dito trocista; caçoada, troça, remoque, mofa...;- ditado [Do lat. dictatu.] s.m. ... . 3. v. provérbio (1)...;- dictério. [Do gr. deiktérion, pelo lat. dicteriu] s.m. Troça, zombaria, motejo, escárnio, chufa, dichote...;- ditame. [Do lat. dictamen.] s.m. ... 2. O que a consciência e a razão dizem que deve ser... 3. Regra, aviso, ordem, doutrina...;- ditério. s.m. 1. Var. de dictério. 2. Bras. S. Pop. V. dito (5);- dito. [Do lat. dictu.] Adj. 1. Que se disse; mencionado, referido. S.m. 2. Palavra, expressão. 3. Sentença, frase. 4. Provérbio, ditado. 5. Mexerico, enredo, ditinho...;- dizer1. [Do lat. dicere.] s.m. ... Expressão, dito ...;- gnoma. [Do gr. gnóme, pelo lat. gnome. s.f. sentença moral V. máxima (2) ;- máxima (ss). [Fem. substantivado de máximo.] s. f. 1. Princípio básico e indiscutível de ciência ou arte; axioma. 2. Sentença ou doutrina moral... 3. Conceito, aforismo, pensamento, apotegma... 4. Anexim...;- motejo (ê). Do it. moteggio. S.M. 1. V. zombaria... 2. Dito picante; gracejo.;- parêmia. [Do gr. paroimía, pelo lat. paroimia.] s.f. 1. Breve alegoria. 2. Provérbio, prolóquio.;- prolóquio. {Do lat. [proloquiu.] S.m. Máxima, ditado, adágio, provérbio, anexim. ... pp. 1400-1401- provérbio. [Do lat. proverbiu.] s.m. 1. Máxima ou sentença de caráter prático e popular, comum a todo um grupo social, expressa em forma sucinta e geralmente rica em imagens; adágio, ditado, anexim, refrão, rifão... 2. Pequena comédia que tem por tema o desenvolvimento de um provérbio...;- refrão. [Do provenç. ant. refrahn, ‘canto dos pássaros’.] s.m. 2. Adágio, provérbio, anexim, rifão, refrém ...;- rifão. [F. dissimilada de refrão.] s.m. V. provérbio (1)...;- sentença. [Do lat. sententia.] s.f. 1. Expressão que encerra um sentido geral ou princípio ou verdade moral máxima. 2. Rifão, provérbio, anexim... .II. José Pedro Machado - Dicionário etimológico da língua portuguesa- adágio1, s. Do lat. adagiu-.... Séc XVII, no Dic. de Agostinho Barbosa, 1611, s.v.... p. 71- aforismo, s. Do grego aphorismós, “limitação; definição; breve definição, sentença”, donde: “sentença breve e indiscutível que resume uma doutrina... p. 105- anexim, s. Do ar. an-naxid, “elevação da voz, canto; poema que se recita nas assembleias; trecho de declamação, hino”; deve ter tomado o sentido de “adágio”no Andaluz, a substituir o clássico mathal;... p. 201- axioma, s. Do gr. axioma, “preço, valor, qualidade (de um exército) ... “princípio que serve de base a uma demonstração, princípio evidente de si próprio, axioma, proposição;... p. 288- brocardo, s. Do lat. medieval brocardu, deduzido do pl. brocarda, -um, de Burchardus, nome do bispo de Worms (séc.XI), autor de uma compilação de direito canónico. ... p. 409- chufa, s. Vocabulo onomatopaico, com representação românica... p. 595- dicho do esp. dicho. p. 788- ditado de ditar; a acepção de “composição poética” ... p.788- ditério do lat. dicteriu-, “boa piada, boa saída, motejo, sarcasmo”; ... p. 789- dito; como s., do lat. dictu-, s., “palavra; boa saída, palavra espirituosa; sentença, preceito, provérbio; ordem, opinião” ... p. 789- gnome, s. Do gr. gnóme, “sentença, adágio” pelo lat. gnome. Séc XIX ... p. 1108- máxima do lat. maxima (sententia), no Latim escolástico a proposição maior, que tem o valor de uma verdade geral e absoluta; ... p. 1449- motejo, do esp. motejo, ... p. 1544- parémia do gr. paroimía, “provérbio; parábola”, pelo lat. paroemia, “provérbio”; ... p. 1677- prolóquio do lat. proloquiu-, “proposição, ideia (enunciada)”. ... p. 1353- provérbio do lat. proverbiu-, “provérbio, dito, rifão”; ... p. 2158- refrão do ant. prov. refrahn, ‘canto de pássaros, refrão’... p. 1869- rifão, s. De refrão, através da forma dissimilada *refão ... p. 1893- sentença do lat. sententia, “sentimento, opinião, ideia, maneira de ver; opinião (dada no senado); voto, sufrágio (nos comícios); ... sentença, máxima” ... p. 1973
III. Francisco da Silveira Bueno - Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa

- adágio - s.m. Dito, provérbio, rifão, etc. Lat. adagium. ... p. 76- aforismo - s.m. Sentença, ditado, provérbio, definição. Gr. aphorismòs, definição, sentença, conceito. p. 111- anexim - (chim) s.m. Rifão, adágio, ditado, provérbio. Ár. an-naxid, elevação da voz, canto, etc. ... p. 239


Dados sobre o autor: Álvaro Alfredo Bragança Júnior é bacharel e licenciado em Português-Alemão e Português-Latim pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado em Lingüística e Filologia Românica e doutorado em Letras Clássicas pela mesma Universidade, professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Filologia, do CEIA-UFF, da Associação de Professores de Alemão do Rio de Janeiro e co-fundador do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos. É professor do Programa de Mestrado e Doutorado em História Comparada, orientando nas áreas de literatura alemã medieval, literatura inglesa medieval, baixa idade média e paremiologia latina medieval.

A fraseologia ligada aos conceitos de vida e de morte no dicionário bilingue:





M. Celeste Augusto
Universidade de Utreque
M.C.vanEgmond@uu.nl

0. Introdução
Nas últimas décadas, os trabalhos de John Sinclair abriram um novo rumo à
lexicografia, quer monolingue quer bilingue. Presentemente, o dicionário bilingue já não se
pode reduzir a listas de palavras: à esquerda, em coluna, a palavra da língua de que se parte,
seguida pelo rol de prováveis equivalentes na língua de chegada. Isto porque, como Moon
(2008) diz, Sinclair mostrou com eficácia, ao longo dos seus textos, que as palavras se
interligam, não vivem isoladas e que o seu significado é gerado no e pelo contexto em que se
inserem. Para Sinclair, é pela e na combinação das palavras que se alcança o significado
destas, sendo ‘collocation’, enquanto “the frequent and significant co-occurrence of two or
more words within a textual environement” (Williams (2008: 259), a palavra chave. Com
esta ideia em mente, dispusemo-nos a considerar, em paralelo, algumas estruturas formadas
por mais de um elemento lexical, servindo-nos para esse fim de um dicionário bilingue bidireccional.
Como objecto de trabalho escolhemos o Dicionário Neerlandês/Português e
Português/Neerlandês (2004) que, para além de ter dado uma grande importância ao registo e
tradução deste género de estruturas, exemplifica vários tipos de registo lexicográfico, em
parte resultantes da especificidade de cada uma das línguas em questão. A selecção de
estruturas linguísticas formadas por vários componentes (proverbiais, comparações fixas,
locuções, etc.) e o seu registo num dicionário nunca foram nem serão um tema pacífico da
lexicografia, particularmente da bilingue, como adiante se verá.
Nesta exposição, propomo-nos tratar de alguns aspectos da fraseologia que veicula
um conteúdo semântico decorrente dos conceitos de vida e de morte, em português e em
neerlandês. Como são conceitos multifacetados, originam uma gama enorme de segmentos,
que vão dos que se apresentam semanticamente transparentes, do tipo morrer aos poucos, aos
mais opacos como ser letra morta, passando ainda por aqueles que, para além de obscuros, se
apresentam bizarros como morrer de morte macaca. Estes últimos, expoentes específicos do
sistema que representam, são, por este mesmo motivo, os que maior problema levantam na
selecção de um equivalente na passagem de uma língua para outra. Sendo vários os verbetes e
longas as micro-estruturas que concernem os dois conceitos apurados, optaremos por uma
análise dos segmentos que se apresentem mais pertinentes do ponto de vista quer
lexicográfico, quer semântico. Assim, abordar-se-ão sequências linguísticas do género: à boa
vida; cair na má vida; pensar na morte da bezerra; um silêncio de morte; estar morto e
enterrado; zijn leven hangt aan een zijde, in levende lijve, doodgaan van de kou, duizend
doden sterven, cujos equivalentes são em português [tem a vida presa por um fio], [em carne
e osso], [ estar a morrer de frio] e [morrer de medo] respectivamente.
Considerando que um estudo contrastivo visa salientar não apenas diferenças mas igualmente
semelhanças, o nosso objectivo será, através de uma abordagem de tipo contrastivo, pôr em
paralelo um elenco significativo de enunciados do português e do neerlandês, a fim de se
verificar:
1- se as sequências portuguesas assinaladas têm equivalente em neerlandês e vice versa
e, em caso negativo, ver a solução adoptada pelo redactor
2
2- se, entre as sequências portuguesas e as neerlandesas, há semelhanças ou diferenças
ao nível do seu registo lexicográfico e do seu conteúdo semântico.
Uma vez que se trata de duas línguas de origem muito distinta e servindo comunidades
diferentes em muitos aspectos mas sobretudo sócio-culturais, prevêem-se, consequentemente,
algumas diferenças significativas quer ao nível da estrutura quer ao nível semântico. A
comunicação será organizada do seguinte modo: após a Introdução serão feitas algumas
considerações breves de carácter teórico e metodológico e será delimitado o objecto em
análise para, de seguida, se proceder a uma análise contrastiva das sequências seleccionadas.
Algumas reflexões concluirão o trabalho. Como ilustração do exposto inserir-se-ão sob a
forma de anexo alguns exemplos de verbetes.
1. Enquadramento teórico-metodológico
Como se sabe a micro-estrutura de qualquer dicionário de língua oferece informação,
de um modo geral, relativamente a três níveis: ao da forma, ao do significado e ao do
contexto, sendo este último, no dizer de Fraser (2008:71), de dois tipos - extra-linguístico e
intra-linguístico. No último caso, a informação é dada no eixo sintagmático e através das
estruturas formadas pelo segmento em análise e pelas palavras que o acompanham. A
exposição que pretendemos apresentar insere-se neste terceiro nível e, mais concretamente,
aborda os segmentos com mais de um componente. Estes têm sido objecto de uma série de
definições, sendo difícil escolher uma que inclua todos os seus traços definidores. Todavia,
quase todas assentam no seguinte: são sequências plurilexicais, fixas ou semi-fixas, se bem
que os seus constituintes possam ser pluri-semânticos elas não o são e o seu significado
decorre não da soma do significado individual dos seus componentes mas do seu concerto.
Em certos casos, pode haver uma determinada variação lexical1, desde que o sentido global
não seja modificado. Corpas Pastor (2003, p. 131) define, grosso modo, estas estruturas como
uma combinação de pelo menos duas unidades lexicais, caracterizada por uma alta frequência,
institucionalizada, fixa e estável, semanticamente especializada e potencialmente idiomática
e dá-lhes o nome de fraseologismo (FRA) ou unidade fraseológica (UFR). Na linha de
Corpas Pastor e doravante, empregar-se-á esta nomenclatura e entender-se-á por fraseologia
quer o conjunto de fraseologismos de uma determinada língua quer o ramo da linguística que
trata deste tipo de construções.
Muito embora por vezes se empregue ‘abordagem contrastiva’ e ‘abordagem
comparativa’ para salientar as diferenças e as semelhanças respectivamente, uma tal distinção
não nos parece operante2. Julgamos que uma análise de tipo contrastivo de dois sistemas
linguísticos implica o salientar quer de diferenças quer de semelhanças, até porque é
geralmente a partir do semelhante que o diferente melhor se manifesta (Augusto, no prelo).
Posto isto, a análise que a seguir se apresenta vai seguir um modelo contrastivo
(Dobrovol’skij, 1998; Fisiak, 1980, 1984), tendo em vista o objectivo proposto e acima
indicado. Além do mais, decidiu-se incluir nesta análise algumas UFRs construídas sobre os
verbos viver e morrer, ligados semanticamente aos conceitos de vida e de morte, mas
excluiram-se modismos, que são de carácter passageiro, e locuções interjectivas como ‘ora
viva!’ou ‘leve de koningin!’ [Viva a rainha!] de forte feição discursiva.
2. Função do fraseologismo no dicionário bilingue
1 Cf. ‘fazer / dar para as despesas’.
2 Malmkjaer (1999) diz que esta distinção é habitual.
3
Mesmo que o dicionário bilingue não seja de tipo pedagógico, impõe-se o registo de o
maior número possível de UFRs, para se poder apresentar os diferentes sentidos de uma
unidade lexical e, se se conseguir ilustrar o fraseologismo com um exemplo, melhor ainda.
Como anteriormente se afirmou, é apenas no convívio com outras palavras que os
significados se geram. O dicionário bilingue bi-direccional, de onde se extraíram as UFRs a
serem analisadas, dá, repetimos, uma particular atenção ao seu registo e equivalência, na
medida em que foi elaborado partindo de bases de dados concebidas para a produção de
dicionários bilingues, ou seja considerando o seu uso contrastivo. Por um lado, como se trata
de duas línguas geneticamente diferentes, houve ainda um especial cuidado em ilustrar certas
construções, diferentes de uma língua para a outra, com um exemplo, como ‘doodgaan aan
kanker’ e ‘doodgaan van honger’ cujos equivalentes são ‘morrer de cancro’ e ‘morrer de
fome’, respectivamente. Por outro lado, sabendo-se que é através da fraseologia que as
singularidades de uma língua e a maneira de pensar de uma comunidade melhor se reflectem,
é natural que qualquer verdadeiro dicionário bilingue se esforce por incluir estes enunciados
e por dar-lhes um possível equivalente na língua com que emparceira.
3. Análise contrastiva de fraseologismos portugueses e neerlandeses ligados aos
conceitos de vida e de morte
Passa-se a fazer a análise de algumas UFRs inseridas em quadros para facilitar a leitura,
sendo a tradução literal dos enunciados neerlandeses dada entre parênteses rectos, sempre que
necessário. Para além dos conceitos de vida e de morte/morto optámos, como já se referiu, por
seleccionar também enunciados registados nos verbetes viver e morrer por se incluírem no
mesmo universo conceptual que vida e morte.
Fig. 1. Fraseologismos portugueses no volume Português-Neerlandês ligados ao conceito
vida (incluindo viver)
Fraseologismo Verbete Fraseologismo equivalente Paráfrase
base igual base diferente
1 <à boa vida> vida 2) in ledigheid
[sem fazer nada]
2 vida 3) Vrouw die in
het leven zit
[mulher que está
na vida]
3 vida 3) hondenleven
4
vida 3) totdat de dood
[morte] ons
scheidt [até que a
morte nos separe]
5
vida 3) de pijp aan
Maarten geven
[dar a Maarten o
cachimbo]
6 <>
viver 5)
grande 5)
leven als God
in Frankrijk
[viver como Deus
em França]
4
Fig. 2. Fraseologismos neerlandeses no volume Neerlandês - Português ligados ao conceito
vida [leven] (incluindo viver [leven])
Fraseologismo Verbete Fraseologismo equivalente Paráfrase
base igual base diferente
1
[a (sua) vida está
pendurada num fio de
seda]
leven 3) tem a vida presa
por um fio
2
[em vida viva]
leven 4) em carne e osso
3 [roubar-se a
vida]
leven 3) suicidar-se
4
leven 4) nem só de pão
vive o homem
5 [quem
ainda viver que se
preocupe]
leven 4) quem cá fica que
se amole
6 [viver para algo]
leven 4) estar mortinho
para / por algo
Fig. 3. Fraseologismos portugueses no volume Português-Neerlandês ligados ao conceito
morte (incluindo morrer)
Fraseologismo Verbete Fraseologismo equivalente Paráfrase
base igual base diferente
1 <à beira da morte > morte 1) aan de rand van
het graf [à beira da
sepultura]
2
morte 1) het was doodstil
3 <>
morte 3) tobben, peinzen
[matutar,
pensar]
4
morte 3) op sterven na
dood zijn [só
falta morrer para
estar morto]
5
morte 3) een vreemde
dood sterven
[morrer de uma
morte estranha]
6
morto 3) zo dood als een
pier [tão morto
como um molhe]
5
Fig. 4. Fraseologismos neerlandeses no volume Neerlandês - Português ligados ao conceito
morte [dood] (incluindo morrer [dood gaan])
Fraseologismo Verbete Fraseologismo equivalente Paráfrase
base igual base diferente
1 [é a morte
ou os gladíolos]
dood 1) ou vai ou racha
2 [morrer mil
mortes]
dood 1) morrer de medo
3
[simples de morte]
doodeenvo
udig
óbvio
4 [morrer de
tristeza]
doodgaan morrer de
tristeza
5 doodlachen morrer de riso /
rir
6 [imperturbável como
a morte]
doodgemoe
dereerd 2)
a sangue frio
7 doodstil [silêncio de
morte]
em silêncio
absoluto
Breve leitura das figuras.
Construíram-se figuras de 6 colunas, sendo as 3 últimas dedicadas às possíveis soluções no
processo de atribuição de um equivalente. A segunda coluna oferece a UFR e a negrito
indica-se sob que constituinte a UFR aparece registada no dicionário. A terceira coluna
esclarece em que verbete a UFR está registada, isto é, se no primeiro, no segundo ou em
outro.
A diferente estrutura das duas línguas em contraste está ilustrada na fig. 4, sobretudo através
dos FRAs 3, 5, 6 e 7; estes, devido ao seu processo de formação (justaposição), recebem uma
entrada própria no dicionário enquanto um segmento como o equivalente português do FRA
7 da fig. 4 se regista no interior dos verbetes ‘silêncio’ ou ‘morte’.
Em qualquer dos quadros foi necessário recorrer às perífrases, devido à não existência (ou
desconhecimento do redactor) de uma UFR equivalente. Alguns enunciados (fig.1: 2 e 3;
fig.2: 1 e 4; fig. 3: 2 e fig. 4: 4, 5 e 7) encontraram na língua alvo equivalência sob a forma de
fraseologia assente no mesmo conceito, diferindo alguns apenas na estrutura (morfo-sintática)
com o seria de esperar; entre estes últimos encontram-se : fig 1: 3; fig. 3 : 2; fig. 4: 5 e 7.
Constata-se igualmente nos enunciados apresentados que o conteúdo semântico do FRA
provém da combinação dos seus componentes e que o conteúdo semântico da palavra se gera
no eixo sintagmático, isto é, resulta dos seus co-ocorrentes (Cruse, 1986). Os enunciados de
origem clássica ou bíblica como o número 4 da fig. 2 não oferecem geralmente dificuldade e
recebem invariavelmente um equivalente também de cariz bíblico. As UFRs ‘pensar na morte
da bezerra’, ‘morrer de morte macaca’, ‘morrer de morte matada’ ou ‘morrer de morte
morrida’, ‘het is de dood of de gladiolen’ [é a morte ou os gladíolos], ‘de pijp aan Maarten
geven’ [dar a Maarten o cachimbo], devido ao seu carácter bizarro e até insólito, dificilmente
6
encontram um equivalente ao mesmo nível, devendo nesse sentido receber uma paráfrase que
lhes clarifique o sentido.
4. Reflexões finais
Do exposto pode concluir-se:
1- que é no enunciado fraseológico que o conteúdo semântico das palavras se produz e melhor
ilustra.
2- que o registo de UFRs no dicionário monolingue ou bilingue, pedagógico ou não, é
essencial para se apreender as especificidades linguísticas (semânticas e estruturais) e ainda
culturais dos sistemas que representam.
3- que o objectivo do lexicógrafo será encontrar um equivalente semântico do segmento a
traduzir para a língua alvo e nunca dar uma tradução palavra a palavra, para não correr o risco
de desvirtuar a sua mensagem.
4- que apesar de o português e o neerlandês serem geneticamente distintos se encontram
bastantes semelhanças, não ao nível da estrutura linguística, mas ao nível do universo
conceptual em volta da ‘vida’ e da ‘morte’.
5. Referências
AUGUSTO, Maria Celeste / ECK, Karolien van. Grote Woordenboek Portugees-Nederlands en
Nederlands-Portugees. Utrecht: Spectrum / Lisboa: Verbo, 2004.
AUGUSTO, Maria Celeste. Phraséologies de l’oeil en portugais et en néerlandais dans un cadre
lexico-sémantique - une approche contrastive. In: Proceedings of the International
Conference Europhras 2008. Helsinki, (no prelo).
CORPAS PASTOR, Gloria. Diez años de investigación en fraseología: Análisis sintácticosemánticos,
contrastivos y traductológicos. Madrid: Iberoamericana / Frankfurt am Main:
Vervuert, 2003.
CRUSE, David Alan. Lexical Semantics. Cambridge: University Press, 1986.
DOBROVOL’SKIJ, Dmitrij, Russian and German Idioms from a Contrastive Perspective. In:
WEIGAND, Edda (Org.). Contrastive Lexical Semantics. Amsterdam: John Benjamin’s, 1998.
p. 227-242.
FISIAK, Jacek (Org.). Theoretical Issues in Contrastive Linguistics. Amsterdam: John
Benjamin’s, 1980.
FISIAK, Jacek (Org.). Contrastive Linguistics – Prospectsand Problems. Amsterdam: Mouton
Publishers, 1984.
FRASER, B.L. Beyond definition: organizing semantic information in bilingual dictionaries.
In: International Journal of Lexicography, v. 21, n.1, p. 69-93. 2008.
MALMKJAER, Kirsten. Contrastive Linguistics and Translation Studies: Interface and
Diffferences. Utrecht: Platform Vertalen & Vertaalwetenschap, 1999.
MOON, Rosamund. Sinclair, Phraseology and Lexicography. International Journal of
Lexicography, v. 21, n. 3, p. 243-254. 2008.
WILLIAMS, Geoffrey. A Multilingual Matter: Sinclair and the Bilingual Dictionary.
International Journal of Lexicography, v. 21, n.3, p. 255-266. 2008.
7
Anexos: excertos de verbetes
Português / Neerlandês
vida 1 nf 1. Biol leven (het); em vida in leven 2. leven (het); esperança de vida
levensverwachting (de); como vai a vida? hoe staat het leven?; 4. levensonderhoud (het); a vida está cada vez mais cara het leven wordt steeds
duurder 7. levendigheid (de); sem vida lusteloos,
levenloos; criança cheia de vida levendig kind.
vida 2 loc adv 1. à boa vida in ledigheid 2. em vida, ninguém lhe ligou toen hij nog leefde,
nam niemand notie van hem 3. sem vida levenloos.
vida 4 idioom; vida fácil onbezorgd leventje; mulher da vida vrouw die in het leven zit;
cair/estar/andar na má vida op het slechte pad raken/zijn; vida de cão hondenleven (het); feliz
/ contente da vida blij en tevreden; para a vida e para a morte totdat de dood ons scheidt;
entre a vida e a morte op het randje van de dood; andar na sua vida in zijn eigen wereldje
leven; sinal de vida teken van leven, levensteken (het); levar boa vida een goed/makkelijk
leventje hebben/leiden; ter uma boa vida een goed leventje hebben; nunca na vida! nooit van
mijn leven!; (uma luta) de vida ou de morte (een gevecht/strijd) op leven en dood; tem a vida
presa por um fio zijn leven hangt aan een zijden draadje; fazer a vida negra a alguém iemand
het leven zuur/tot een hel maken; uma vida regalada een leven als een luis op een zeer hoofd,
een luizenleventje; ir desta vida p'ra melhor de pijp aan Maarten geven, de pijp uitgaan
morte 1 nf 1. Biol dood (de), sterfte (de) 2. morrer de morte natural
een natuurlijke dood sterven; à beira da morte aan de rand van het graf, op stervens na
dood; dia da morte sterfdag (de) 3. dood (de); 5. dood (de); campanha contra a morte das focas actie tegen het slachten van
zeehonden 6. Literat Mitol o Anjo da Morte de engel des doods 7. fig
aquilo foi a morte dos seus sonhos dat was het einde van haar dromen 8. fig assiste-se à morte do sector agrícola men is getuige van de afbraak van de
agrarische sector 9. fig havia ali um silêncio de morte het
was er doodstil.
morte 2 loc adv 1. de morte dodelijk 2. para a vida e para a morte voor het leven, voor altijd.
morte 3 idioom; estar às portas da morte op sterven liggen, op sterven na dood zijn; estar
entre a vida e a morte tussen leven en dood zweven; libertar-se da lei da morte zich aan
vergetelheid onttrekken; cismar / pensar na morte da bezerra fam tobben, peinzen; estar
pela(s) hora(s) da morte vreselijk duur zijn; ser a morte do artista de doodsteek geven; ser
caso de vida ou de morte een geval van leven of dood; ter a morte de / por perto met de
dood op je gezicht lopen; ver a morte diante de si de dood onder ogen zien, oog in oog met
de dood staan; dormir o sono da morte in het graf liggen; ter um ódio de morte een
dodelijke hekel/haat hebben aan; morrer de morte macaca een vreemde dood sterven; ter
uma morte santa een zachte dood sterven; ter uma morte lenta een langzame dood sterven;
ser um morto em pé een slome duikelaar zijn; morrer de morte matada fam een
gewelddadige dood sterven; morrer de morte morrida een natuurlijke dood sterven.
Neerlandês / Português
8
leven 1 v tr (h) 1. viver; geleefd worden não ser senhor da sua vida.
leven 2 n (het) 1. vida (f), actividade (f); het volle leven a vida real 2.
barulho (m); leven in de brouwerij brengen dar animação a, animar-se; een leven
als een oordeel um barulho infernal, um barulho dos diabos/infernal/ensurdecedor; een
leven dat horen en zien je vergaan um barulho infernal, um barulho de morrer.
leven 3 n (het;-s) 1. vida (f), existência (f); nog in leven zijn ainda
estar vivo; in leven em vida; in leven blijven sobreviver, continuar a viver, manter-se em
vida; losbandig leven leiden levar uma vida desregrada/libertina; hoe staat het leven? como
vai a vida?; je geld of je leven! a bolsa ou a vida!; iemand om het leven brengen matar
alguém; nooit van mijn leven! nunca na (minha) vida!; (een gevecht/strijd) op leven en
dood (uma luta) de vida ou de morte; zijn lust en zijn leven ser a alegria da vida de alguém;
zijn leven hangt aan een zijden draadje tem a vida presa por um fio; dat is toch geen leven!
isso não é vida!; zolang er leven is, is er hoop enquanto há vida há esperança; het leven
schenken aan een kind dar uma criança à luz; geen teken van leven meer geven já não dar
sinal de vida; het leven erbij inschieten perder a vida; je doet er je hele leven mee dura-te a
vida toda; het leven wordt steeds duurder a vida está cada vez mais cara; voor iemands
leven vrezen temer pela vida de alguém; iemand het leven tot een hel maken fazer a vida
negra a alguém; vrienden voor het leven amigos para a vida/sempre; zich van het leven
beroven suicidar-se; in het leven zitten ser prostituta, andar na má vida.
leven 4 vi (h) 1. viver; hoe laat leven we? inf. scherts. que horas são?; leve de
koningin! viva a Rainha!; van zijn lang zal ze leven niet! inf. nunca na vida!; in levende
lijve em carne e osso; wie dan leeft wie dan zorgt quem cá fica, que se amole, quem vier
depois de mim que feche a porta 3. leven op water en brood viver
a/de pão e água; een mens leeft niet van brood alleen nem só de pão vive o Homem 4.
viver; in angst leven viver com medo;; voor iets/iemand leven viver
para algo/alguém;; ergens naartoe leven estar mortinho para/por algo, estar desejoso que
aconteça algo; leven en laten leven viver e deixar viver.
levend adj/adv (meer/meest) vivo.
levenloos 2 adj/adv 1. morto (adj), sem vida.
levensbelang n (het); van levensbelang zijn ser de vital importância.
levensgevaar n (het) perigo de morte, perigo de vida; in/buiten levensgevaar em/fora de
perigo de vida; in levensgevaar verkeren estar em perigo de vida.
levenslang 1 n 1. prisão perpétua; levenslang krijgen ser
condenado a prisão perpétua.
levenslang 2 adj/adv 1. vitalício (adj), perpétuo (adj), por toda a vida,
perpetuamente (adv); veroordeeld worden tot levenslange gevangenisstraf ser condenado a
prisão perpétua.
dood 1 n (de) 1. morte (f); iemand ter dood brengen
executar a pena de morte; de dood vinden encontrar a morte; het is de dood of de gladiolen
ou vai ou racha; de dood voor ogen hebben ver a morte de perto, ver a morte diante de si;
aan de dood ontsnappen escapar à morte; ten dode opgeschreven zijn estar condenado à
morte; het is daar de dood in de pot ali morre-se de tédio; duizend doden sterven morrer de
medo; als de dood zijn voor morrer de medo de.
dood 2 adj 1. morto (adj); voor dood blijven liggen ficar (deitado) a fazer de
morto; half dood zijn van de kou estar morto de frio; meer dood dan levend mais morto que
vivo; dood gaan van de kou estar a morrer de frio.
doodeenvoudig adj/adv óbvio (adj), simplicíssimo (adj).
doodgaan vi (z; ging dood; doodgegaan) morrer, falecer; doodgaan aan kanker morrer de
9
cancro; doodgaan van honger/verdriet morrer de fome/tristeza.
doodgemoedereerd 2 adv 1. impassivelmente (adv),
imperturbavelmente (adv), a sangue-frio.
doodgewoon 2 adv 1. simplesmente (adv), pura e
simplesmente.
doodlachen v refl (h; lachte dood; doodgelachen) morrer a rir, morrer de riso.
doodmoe adj/adv exausto (adj), muito cansado; ergens doodmoe van worden estar cansado de
algo, ficar farto de algo.
doodnormaal adj/adv normalíssimo (adj), vulgaríssimo (adj).
doodsbang adj apavorado (adj), morto de medo; doodsbang voor spinnen/ziektes zijn ter
muito medo de aranhões/doenças.
doodsbenauwd  doodsbang.
doodsbleek adj da cor da/como a cal (da parede).
doodschamen v refl (h) envergonhar-se muito, morrer de vergonha; zich doodschamen
over/voor iets envergonhar-se muito de algo.
doodschrikken v refl (z; schrok dood; doodgeshrokken) morrer de susto.
doodstil adj/adv quietíssimo (adj), imóvel (adj),
silencioso (adj), em silêncio absoluto, silenciosamente (adv).
doodvallen vi (z; viel dood; doodgevallen) 1. inf. cair morto; val
dood! bel. vai-te lixar!; ik mag doodvallen (als het niet waar is) que eu caia aqui morto (se
não for verdade).
doodziek adj muito doente, doentíssimo (adj).


DICIONÁRIO BRASILEIRO DE FRASEOLOGIA(UMA AMOSTRAGEM DO SEU ESTADO ATUAL)




José Pereira da Silva


As diferentes formas do “discurso repetido” da língua portuguesa ainda não foram organizados em coletâneas suficientemente amplas para que o pesquisador interessado possa obter um corpus representativo da literatura oral de nossa língua.
Entre os melhores trabalhos dedicados a esta faceta dos estudos da língua portuguesa, podemos citar o Adagiário Brasileiro (de Leonardo Mota), que inclui exemplos equivalentes de diversas outras línguas modernas e clássicas, o Tesouro da Fraseologia Brasileira (de Antenor Nascentes), que inclui explicações sobre a origem de algumas das expressões, o Dicionário de Locuções da Língua Portuguesa (de Euclides Carneiro da Silva), que inclui uma excelente exemplificação do uso dessas locuções em obras literárias brasileiras e portuguesas, o Novo Dicionário de Termos e Expressões Populares (de Tomé Cabral), talvez o mais volumoso trabalho impresso referente ao assunto, que inclui o significado e boa exemplificação do seu emprego em trabalhos de literatura popular brasileira, principalmente nordestina, além de muitos outros, incluindo entre eles uma série de teses de doutorado e dissertações de mestrado que tratam de parcelas desse material.
Na verdade, mais de uma centena desses trabalhos teria de ser consultada para que o pesquisador pudesse obter um corpus significativo de suas diversas formas estruturais e de suas diversas variantes geográficas, cronológicas etc.
O que estamos fazendo, talvez não tenha sido feito até agora porque não traz nenhuma evidência para o seu autor, visto que parece desprezível o trabalho de um pesquisador que se resume em fazer o levantamento de um corpus para que outros possam realizar estudos mais particulares e academicamente mais valorizados sobre a expressividade popular de uma língua.
Outro problema para o organizador de um trabalho desses, talvez dos mais difíceis, é a sua forma final de apresentação, visto que as numerosas pessoas que escreveram sobre o assunto seguiram padrões totalmente diferenciados. Uns, por exemplo, apresentam farta abonação de cada verbete, enquanto que outros nem se preocupam com isto; uns apresentam exemplos de obras literárias stricto sensu, enquanto que outros se valem apenas da literatura de cordel e similar; uns têm grande preocupação lexicográfica e / ou histórica, apresentando o significado de cada expressão ou locução e a história de sua origem e evolução, enquanto outros apenas relacionam tais elementos numa determinada ordem, que também não é sempre a mesma. Enfim, todos trazem alguma contribuição importante, mas trazem também mais uma parcela de dificuldade: Como apresentar material tão diversificado numa única forma? Está evidente que os críticos terão um prato cheio para tecerem todos os tipos de comentários maliciosos, caso não atentem para o fato de que o nosso trabalho não pretende ser um estudo conclusivo, mas apenas a apresentação “organizada” de um material difícil de ser reunido em qualquer biblioteca.
Apesar de não ser um problema específico da língua portuguesa, mas de todas as línguas e de todas as literaturas, precisamos buscar a definição e a classificação mais precisa possível para cada um dos diversos tipos dessas expressões lingüísticas, para que elas possam ser melhor estudadas, conhecidas e utilizadas pelas pessoas cultas, nas ocasiões em que elas se tornarem convenientes e necessárias.
Segundo já prometemos no III Encontro Interdisciplinar de Letras e no VII Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa, classificaremos tais expressões em dois grupos, segundo o nível lingüístico que apresentem: a nível de texto e a nível de sintagma. Ao nível de texto, encontramos os provérbios, os ditados, os refrães, os adágios, as máximas, as sentenças, os aforismos, etc. Ao nível de sintagma, encontramos as “perífrases léxicas”, segundo terminologia de Coseriu, incluindo aí todas as expressões fixas inferiores à oração.
Consideraremos “discurso repetido” qualquer tipo de expressão fixa cujos elementos não sejam substituíveis segundo as regras atuais da língua, importando, principalmente, o seu conceito de “expressões pré-fabricadas”i que ficam alheias à técnica do discurso propriamente dita.
As expressões fixas em nível de texto são todas as que correspondem a uma unidade com sentido completo, em qualquer nível de complexidade. Podem corresponder a uma oração, a um período e até a uma unidade mais complexa.
As expressões fixas em nível de sintagma são todas as que estão abaixo do nível da oração, unidades combináveis na oração e comutáveis com sintagmas e com simples palavras, cuja interpretação se faz ao nível do léxico,ii funcionando como unidades léxicas, pouco importando o número e a complexidade dos elementos constituintes discerníveis.
Dada a flutuação por que passa essa terminologia, não é nada fácil definir os diversos tipos dessas “expressões fixas” para se poder apresentar uma tentativa de classificação definitiva.
Para que se possam entender bem as dificuldades dessa classificação, sugerimos a leitura de nosso artigo, “A Classificação das Frases Feitas de João Ribeiro”, publicado nos Anais do III Encontro Interdisciplinar de Letras, p. 191-200, em 1992.
Antes dessa futura definição e classificação, é preciso organizar (e é isto que estamos fazendo, em forma de um Dicionário Brasileiro de Fraseologia), em forma de um “banco de dados”, que incluirá o maior número possível desses aforismos, anexins, apólogos proverbiais, apotegmas, ditados, ditos, exemplos, expressões, frases feitas, gírias, giros, locuções, máximas, modismos, parêmias, pensamentos, prolóquios, provérbios, refrães, refréns ou rifões, sentenças etc. de modo a facilitar a próxima tarefa dos pesquisadores que se interessarem por essas formas populares de linguagem humana.
Esse dicionário não pretende excluir de seu corpus as expressões de “discurso repetido” de origem externa, desde que tenham sido registradas alguma vez por autor brasileiro ou flagrada na fala corrente em algum lugar do Brasil. Só posteriormente ele poderá ser ampliado para abarcar as formas de “discurso repetido” da língua portuguesa em geral, visto que não temos acesso à bibliografia atualizada e / ou rara dos demais países lusófonos.
Neste momento, nosso trabalho já conta com um volume considerável de material coletado e digitado, com 658 páginas digitadas no formato de papel A4, margens de 2 cm., em caracteres “times new roman” de tamanho 10, em duas colunas, que imprimimos para servir de base para a continuidade do trabalho, visto que já é menos incômodo levar o impresso para casa (no caso dos estagiários) do que se deslocar para o ambiente em que estão os computadores com os textos, principalmente se considerarmos que somente um em cada dezena de registros encontrados aparece como novidade ou contribuição nova.
Em princípio, estamos adotando a disposição dos verbetes oferecida por Antenor Nascentes no seu Tesouro da Fraseologia Brasileira, como forma preliminar de uniformidade da apresentação do trabalho, prometendo estudar maneiras de aperfeiçoá-la:
1- Havendo substantivos ou palavras substantivadas, neles é feita a indicação;
2- Seguem-se em ordem de preferência verbo, adjetivo, pronome e advérbio;
3- Existindo duas palavras da mesma categoria, a primeira tem preferência;
4- Os substantivos pessoa e coisa, o pronome alguém, quando não são parte essencial da expressão, não se levam em conta, assim como os verbos auxiliares;iii
6- Dentro do verbete, as expressões são colocadas em ordem alfabética, começando pelas que se iniciam pela palavra-chave.
Entre parênteses, indicamos a fonte de consulta e/ou de abonação apresentada, exceto as que provêm do Tesouro da Fraseologia Brasileira, de Antenor Nascentes, ou do Adagiário Brasileiro, de Leonardo Mota, tomados como nossos textos de base para as contribuições a nível lexical e a nível textual respectivamente.
Neste momento, ainda estamos na fase de reunir os dados fornecidos pelas obras mais importantes de que dispõe a literatura especializada sobre o assunto, tendo utilizado o auxílio de duas estagiárias na digitação do material recolhido (Adriana Siqueira Monteiro e Andréa Virna Fernandes Pinheiro), proporcionando-nos um volume substancial de informações informatizadas, que pretendemos concluir até o final deste ano, se contarmos com outros tantos estagiários ou bolsistas de Iniciação Científica, como pretendemos.
Podemos garantir que o corpus que já temos organizado equivale a quatro ou cinco vezes o volume de qualquer uma das obras mais conhecidas e recomendadas entre nós, com possibilidade de ainda dobrar este volume até o final do trabalho. Dependendo disso, talvez apresentemos o resultado final em dois volumes: um com as expressões que atingem o nível de texto, como são os provérbios, por exemplo, e outro com as expressões que não atingem este nível, que constituem as locuções, a nível de sintagmas.
Enfim, o que pretendemos mostrar neste número da Revista Philologus é uma amostragem da fraseologia brasileira, através do material até então recolhido, apresentando o verbete cão, a título de exemplificação deste trabalho que ainda está em andamento.
Se utilizássemos a palavra cão e todas as suas variantes semânticas, sem a preocupação específica com o vocábulo cão, teríamos uma infinidade de outras construções, pois é muito comum a utilização de nomes de animais, principalmente de animais domésticos, nas construções populares que são o tema deste trabalho.
Pedimos que os interessados esperem um pouquinho, pois estaremos colocando esse material à disposição dos estudiosos muito brevemente.
De qualquer maneira, quem estiver interessado e com urgência sobre o assunto, escreva-nos uma cartinha que teremos o maior prazer em contribuir no que for possível.
CÃO
Cão coxo. O demônio. “Houve um samba tão grande no inferno que o Cão Coxo quebrou a outra perna” (AFE 117). “As que raspam sobrancelhas / e fazem com tinta preta, / Satanás manda Cão Coxo / espetar na baioneta” (LC-290 4). “A torcida de Satanás / diz que o jogo está perdido, / porque Cão Coxo não joga, / Satanás está contundido” (LC-776 2). “Pras profundas do inferno / Roberto foi rebatado, / para servir de cavalo / pra Cão Coxo andar montado” (LC-1020 16).
Cão da chaminé. Utensílio de ferro que ampara a lenha que arde na lareira.
Cão d’água. O mesmo que podengo d’água.
Cão de arame. Homem que parece um boneco. (AC)
Cão de fila. Pessoa que acompanha outra para todo o lado, a fim de protegê-la contra perigos eventuais. Segundo ABH, é o que, pela sua braveza, é utilizado como guarda de prédios.
Cão-do-mar. Peixe seláceo (CA).
Cão-do-mato. Cachorro-do-mato (CA).
Cão dos alanos. Alão (AC).
Cão do(s) inferno(s). 1) Expressão insultuosa. “Tenho fé em Deus, cão dos infernos, que...” (PBC 56). “Negro nojento! Macho desgraçado! Cão do inferno!” (CPS 67). 2) Pode encerrar também expressão de elogio. “... era o cão do inferno no riscado de um tango” (SSS 38).
Cão-hiena. O mesmo que hienóide (CA).
Cão-marinho. O mesmo que peixe-cão (CA).
Cão-miúdo. O diabo (ABH).
Cão pequeno. Lulu (AC).
Cão que ladra não morde. Pessoa que fala muito e ameaça, não é capaz de fazer mal (CA).
Cão que ladra, guarda-te dele.
Cão selvagem. Dingo (AC).
Cão sem dono. Criança ou jovem, sem proteção, sem assistência. “... pensa que eu sou cão sem dono” (JCP 70).
Cão-tinhoso. O diabo (ABH).
A cão mordido todos chicoteiam.
A cão mordido todos o mordem.
Acordar o cão que dorme. Estimular o inimigo que estava quieto; bulir em coisas que estavam esquecidas e de que pode resultar mal; suscitar idéias, lembrar coisas perigosas.
Agüentar o que o Cão enjeitou. Passar por terríveis sofrimentos (TC).
Casa do cão. O inferno (TC).
Cavalo do cão. Menino irrequieto. Conquistador afoito e irreverente. “Não me vá na viagem bancar o cavalo do cão pra cima da mulher alheia” (BMV 80). Inseto himenóptero que, à época da postura, sai à procura da aranha caranguejeira. Diz-se que, quando a encontra, entra logo em luta, que muitas vezes se prolonga por horas. O cavalo do cão só consegue dominar a aranha quando a fere em certo ponto nevrálgico, deixando-a paralisada. Deixa, então, os ovos no abdômen do animal vencido, onde eles são chocados, transformando-se, depois, em larvas. Estas, por sua vez, vão-se alimentando da carne da aranha que, aos poucos, vai morrendo. O cavalo do cão põe também no corpo de lagartas (TC).
Com o cão nos couros. Com o maldito nos couros, com o diabo nos couros. Possesso. Muito irado, furioso. Com maus instintos. “Parece que andava com o cão nos couros” (MLV 174). “Este moleque anda com o cão nos couros” (CPS 113).
Como o cão. Expressão comparativa, de sentido desagradável. “Feio como o cão” (JAD 79).
Dar a língua aos cães. Renunciar a explicar alguma coisa (CA).
De cão. Desagradável, infeliz, horrível, triste, intolerável. “Passara uma noite de cão” (JAD 39). “Isso não é vida. É vida de cão!” (TC).
Do cão. De cão. “Deu um azar do cão” (MLV 170). “Ia ser uma desorganização do cão” (JFJ 107).
É o cão. Expressão que tem múltiplas aplicações, com sentidos de revolta, admiração, entusiasmo, censura, dificuldades etc. Pode referir-se a uma pessoa ou coisa. “Moça do mato é o cão” (MOD 125). “Trabalhar de graça para os outros é o cão”. “Vai ser o cão quem me faça esse favor”. “Mas a bicha (uma porca) é o cão!” (MLV 141). “Com um gesto de cabeça, disse: foi o cão!” (OCR 139). “O caboclo estava perto, / vendo a destruição / disse: oh! José danado! / Aquele moço é o cão” (LC-306 21). “O povo todo dizia: / -- o sertanejo é o cão, / onde encontrava pegava, / era uma admiração” (LC-316 11). “Disseram para o doutor: / -- aquele moço é o cão, / quase nos mata agora / somente com um bofetão” (LC-818 29).
É um cão que tem no inferno. Réplica a quem emprega uma palavra ou expressão errada, como crítica a esse erro: “Levou ele “é um cão que tem no inferno” (JCN 213).
Enquanto o cão esfrega o olho. Em poucos instantes; num ápice. Quando menos se espera. “Se fizesse força, o veneno ganhava o sangue, enquanto o cão esfregava um olho” (JCA 210).
Entre o cão e o lobo. A boca da noite, ao lusco-fusco; no crepúsculo (AC). Com o entendimento pouco claro, um tanto toldado. “E às horas do meio-dia andar entre o cão e o lobo” (Sá de Miranda) (CA).
Estar com o cão. Vir com o cão. Dá idéia de coisa terrível, implacável, furiosa (TC).
Farejar como um cão. Andar em busca de alguma coisa.
Feito (o) cão. Muito irado. “Mas às vezes a alma da velha vinha feito o cão, numa fúria do diabo” (MLV 41).
Fugir de alguém como de um cão danado. Evitar esta pessoa de todos os modos possíveis. Toda a gente tem medo de ser mordida por cão danado.
Ir com o cão. Estar com o cão, vir com o cão. Dá idéia de coisa terrível, implacável, furiosa (TC).
Levar vida de cão. Levar vida trabalhosa e miserável (CA).
Mal ladra o cão, quando ladra de medo (JT).
Morrer como um cão. Morrer desprezado, abandonado de todos.
Não há cão nem gato que o não saiba (JT).
Natureza do cão. Implicante, perverso, malvado. “Então tinha uns quatro negros / da natureza do cão, / que se havia de querer / comer um doce ou um pão, / queria antes dar um tiro / na cabeça de um cristão” (LC 287 2).
Nem os cães o querem. Diz-se de alguém ou de alguma coisa que para nada presta (CA).
O cão e o menino só vão aonde lhe fazem mimo (JT).
O cão é sujo... Advertência que corresponde a cuidado com as tentações. Diz-se também que o cão é sujo, quando se pretende advertir alguém do risco que importam certas imprudências, qual seja a de brincar com armas de fogo.
O cão em pintura de gente. O mesmo que ”o diabo em figura de gente” isto é, perverso, cheio de artimanhas etc. “Aquele Lucas foi o cão em pintura de gente” (TC).
Obra do cão. Artimanha. Coisa do diabo (TC).
Onde o cão perdeu a(s) espora(s) Lugar distante, de difícil acesso, atrasado, sem atrativos etc. “Esta terra é terra onde o cão perdeu a espora” (JCS 146).
Pintar o cão. Fazer diabruras, distúrbios. “Ela pintava o cão: sobrevoava as águas, roçando a correnteza” (MLV 163).
Pintura do cão. Diabrura, peraltice. “Por dinheiro, faria a pintura do cão” (LCF 128). “Rosnava e mordia, que era a pintura do cão” (RQC 120).
Pra que cão ou pra que diabo (interj.). Por que? Ex.: Home que não tem cavalo / Pra quê diabo compra peia? / Muié que não possui brinco, / Pra que fura as oreia?
Preso por ter cão, preso por não ter. Culpado, de qualquer modo, por fazer uma coisa, e por não fazê-la. Estar sobre domínio do arbítrio (MP).
Quando se amarravam cães com lingüiças (JT).
Que só o cão. Expressão comparativa semelhante a Como o cão, isto é, de sentido depreciativo ou desagradável. “A mulher que é galheira / só merece punição, / na rua qu’eu moro tem / chifrudo que só o cão” (LC-696 7).
Quem com cães se deita, com pulgas se levanta (JT).
Quem matou o cão foi o Baeta. Não sei quem teria feito isto. Baeta era um tipo de espingarda comumente usada por caçadores (MELO e SOUSA, Folclore da matemática, 231). LINDOLFO GOMES, Rev. Fil., IX, 25, faz preceder à expressão as palavras três vezes 9, 27, aventando uma origem italiana que não convence.
Sabem-no cães e gatos.
Ser como o cão com o gato. Diz-se das pessoas que estão sempre em briga entre si (CA).
Ser o cão em figura de gente. Ser peralta, desordeiro. “Era o cão em figura de gente” (PDC 124).
Sete cães a um osso. Muitos pretendentes a uma coisa só.
Sete cães e só um osso. Estar sob forte concorrência; muitos pretendentes concorrendo a uma única coisa (MP).
Sofrer o que o Cão enjeitou. Agüentar o que o Cão enjeitou. Passar por terríveis sofrimentos. “E assim, sofrendo tudo o que o Cão enjeitou...” (JSS 129).
Tempo em que o cão era menino. De tempos remotos, imemoriais. “Está visto que o falar é muito velho, ainda do tempo em que o diabo era menino” (OLE 33).
Ter arte com o cão. Ter pacto com o diabo, ser endemoninhado ou feiticeiro. “Aquilo tem artes com o cão” (PLC 150).
Ter parte com o cão. Ter pacto com o diabo, ser endemoninhado ou feiticeiro. “Houve até quem acreditasse naquilo, como se tivesse parte com o cão” (JBM 28).
Ter pauta com o cão. Ter pacto com o diabo, ser endemoninhado ou feiticeiro. “Aquele homem tinha pauta com o cão” (JCN 67).
Ter visto o cão. Estar mal humorado; estar assustado (MP).
Tratar (alguém) como (a) um cão. Dar-lhe muito mau trato.
Trinca cães a um osso. Muitos pretendentes (JT).
Um cão danado todos a ele (JT).
Vir com o cão. Estar com o cão. “Moço, a seca veio com o cão” (NLP 303). “O touro saiu pra fora, cumo quem vinha cum o cão!” (ZPS 63).
Virar (o) cão. Exasperar-se, enfurecer-se. “Eu me danando, viro o cão” (OAP 370). “Há quatorze anos casada / com o homem -- que só prestou / no começo do casamento -- o diabo se manifestou: / e Valdemar, em vez de atenção, / quebrava mesa, virava o cão!” (LC-62 2).
Viver como cão vadio. Não ter nem mesmo onde morar (MP).
Viverem como cão e gato. Em constante inimizade, brigando sempre, sem se poderem ver.
RESUMO
O Dicionário Brasileiro de Fraseologia será um repositório de expressões da literatura oral, representada principalmente pelos provérbios, e outras formas do denominado “discurso repetido” ou “frases feitas”. Exemplificamos com uma amostragem do verbete “cão”.
BIBLIOGRAFIAiv
ABH = Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
AC = Agenor Costa. Dicionário de Sinônimos e Locuções da Língua Portuguesa. (Suplemento). Rio de Janeiro: [Jornal do Commercio], 1952, 253 p.
AFE = Aderaldo Ferreira de Araújo. Eu Sou o Cego Aderaldo, cit. por TC.
NA = Antenor Nascentes. Tesouro da fraseologia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. XXII + 431 p.
CA = Caldas Aulete. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. 5 ed. Rio de Janeiro: Delta, 1970, 5 vol.
CPS = Caio Porfírio Carneiro. O Sal da Terra, cit. por TC.
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JAD = Jorge Amado. Dona Flor e Seus Dois Maridos, cit. por TC.
JBM = Juarez Barroso. Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal, cit. por TC.
JCA = Jader de Carvalho. Aldeota, cit. por TC.
JCN = João Clímaco Bezerra. Não Há Estrelas no Céu, cit. por TC.
JCP = João Clímaco Bezerra. Sol Posto, cit. por TC.
JCS = Jader de Carvalho. Sua Majestade o Juiz, cit. por TC.
JFJ = João Felício dos Santos. João Abade, cit. por TC.
JSS = Jaime Sisnando. Sertão Bravio, cit. por TC.
JT = João Nepomuceno Torres. A Gíria Brazileira: coleção de anexins, adágios, rifões e locuções populares. Bahia: [s.e.], 1899, 234 p.
LC 62 = Abraão Batista. O Homem que Deixou a Mulher para Viver com uma Jumenta, cit. por TC.
LL 287 = João Cordeiro de Lima. Nogueira e Juscelino, cit. por TC.
LC 290 = João de Cristo Rei. Exemplo de um Rapaz que Morreu e Tornou, cit. por TC.
LC 306 = João Ferreira de Lima. Dois Glosadores, cit. por TC.
LC 316 = João José da Silva. História de Zé Mendonça, o Sertanejo Valente, cit. por TC.
LC 696 = José Costa Leite. Peleja de José C. Leite com Maria Quixabeira, cit. por TC.
LC 776 = José Soares. A Corrupção de Hoje em Dia, cit. por TC.
LC 818 = Luiz da Costa Pinheiro. História de Rosa Branca ou a Filha do Pescador, cit. por TC.
LC 1020 = Severino Carlos. O Orgulho de Roberto e a Queda da Maldição, cit. por TC.
LCF = Luís da Câmara Cascudo. Flor dos Romances Trágicos, cit. por TC.
LINDOLFO GOMES, Rev. Fil., IX.
Maria Imerentina Rodrigues Ferreira (Org.). III Encontro Interdisciplinar de Letras. Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 1992, 361 p.
MELO e SOUSA, Folclore da matemática.
MLV = Mário Landim. Vaca Preta e Boi Pintado, cit. por TC.
MOD = Manoel de Oliveira Paiva. Dona Guidinha do Poço, cit. por TC.
MP = Márcio Pugliesi. Dicionário de Expressões Idiomáticas. São Paulo: Parma, 1981, 309 p.
NLP = Nelson Lustosa Cabral. Paisagem do Nordeste, cit. por TC.
OCR = Odálio Cardoso de Alencar. Recordações da Comarca, cit. por TC.
OLE = Oswaldo Lamartine de Faria. Encouramento e Arreios do vaqueiro do Seridó, cit. por TC.
PBC = Pedro Batista. Cangaceiros do Nordeste, cit. por TC.
PDC = Paulo Dantas. O Capitão Jagunço, cit. por TC.
PLC = Péricles Leal. Caminhos da Danação, cit. por TC.
RQC = Raquel de Queiroz. O Caçador de Tatu, cit. por TC.
SSS 38 = Sinval Sá. O Sanfoneiro do Riacho da Brígida, cit. por TC.
TC = Tomé Cabral. Novo Dicionário de Termos e Expressões Populares. Fortaleza: UFC, 1982, 786 p.
ZPS = Zé Praxedi. O Sertão é Assim, cit. por TC.

NOTAS
i. Cf. COSERIU, E., (1977), p. 113 e SEVILLA, J. M., [s.d.], fl. 1ii. Cf. COSERIU, E., (1977), p. 116-7iii. NASCENTES, A., (1986), p. XXIII.iv. Relação das obras citadas como fontes ou como abonações, sem a ordem padronizada de bibliografias.